Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
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elação à moral individual e completamente dissociada da religião. A própria multiplicida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> igrejas e seitas acabaria conduzindo à negociação para o estabelecimento das regras<br />
norteadoras do comportamento social, notadamente no que se refere à introdução <strong>de</strong><br />
mudanças. Na Inglaterra, semelhante <strong>de</strong>sfecho traduziu-se no caráter geral da legislação que,<br />
basicamente, limita-se a sancionar práticas consagradas, na melhor tradição do direito<br />
consuetudinário. Mas aqui o que nos interessa e preocupa é o aspecto teórico da questão.<br />
Man<strong>de</strong>ville traduziu ao inglês as Fábulas <strong>de</strong> La Fontaine e as publicou em 1703.<br />
Vê-se nitidamente a influência <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> prosa no fato <strong>de</strong> que seu livro básico tenha sido<br />
<strong>de</strong>nominado <strong>de</strong> Fábula das Abelhas. Contudo, não se limitaria àquele autor seu contato com a<br />
mencionada vertente. Conforme Thomas A. Horne: "La Rochefoucauld fornece um excelente<br />
exemplo do estilo e do clima <strong>de</strong> opinião encontrado no "período clássico" da literatura<br />
francesa com a qual Man<strong>de</strong>ville adquiriria familiarida<strong>de</strong>. Através <strong>de</strong> sua tradução das fábulas<br />
<strong>de</strong> La Fontaine po<strong>de</strong>mos constatar o seu interesse direto naquela tradição. Mas a mais<br />
importante influência francesa no pensamento <strong>de</strong> Man<strong>de</strong>ville foi Pierre Bayle. Man<strong>de</strong>ville<br />
reconhece seu débito a Bayle nos Pensamentos Livres ao dizer: "Aqueles que são versados em<br />
livros cedo <strong>de</strong>scobrirão que fiz um gran<strong>de</strong> uso <strong>de</strong> Monsieur Bayle..." (7) É interessante notar<br />
que Bayle estava pronunciando conferências públicas, em Roterdam, no mesmo período em<br />
que Man<strong>de</strong>ville freqüentava a escola naquela cida<strong>de</strong>, embora não haja evidência <strong>de</strong> que as<br />
tenha assistido. Horne lembra que um dos opositores da vertente aqui consi<strong>de</strong>rada, a que<br />
pertencia Man<strong>de</strong>ville, <strong>de</strong>signara as noções <strong>de</strong> Bayle como "perniciosas e abomináveis" e suas<br />
"extravagâncias e paradoxos" como "profanos e irreligiosos".<br />
Ainda assim, para que a proposta <strong>de</strong> Man<strong>de</strong>ville tivesse curso era necessário que o<br />
clima <strong>de</strong> intolerância religiosa fosse ultrapassado, o que viria a ocorrer no início do século<br />
XVIII tanto pelas alterações no ambiente político como graças à influência alcançada pelas<br />
idéias <strong>de</strong> Locke. Mas também que o caminho fosse aberto à discussão <strong>de</strong> natureza ética,<br />
<strong>de</strong>slocados os temas estritamente religiosos.<br />
c) A vigência da intolerância religiosa e sua superação<br />
Embora o rompimento com o Papado haja ocorrido sob Henrique VIII (reinado <strong>de</strong><br />
1509 a 1547) – que, ao ser excomungado, conseguiu que o Parlamento votasse o Ato <strong>de</strong><br />
Supremacia (1534), reconhecendo-o como único chefe da Igreja na Inglaterra –, a organização<br />
da Igreja Anglicana somente ocorreria sob Elizabete I, em 1562. Adotou o dogma calvinista,<br />
segundo o qual a escolha para a salvação resulta da vonta<strong>de</strong> divina e não guarda nenhuma<br />
<strong>de</strong>pendência em relação a obras. Mas, simultaneamente, preservou o culto e a organização<br />
eclesiástica herdada do catolicismo, com a ressalva <strong>de</strong> que a nova Igreja era uma instituição<br />
do Estado, sendo o monarca seu único e supremo chefe.<br />
Depois da morte <strong>de</strong> Elizabete I, em 1603, os puritanos <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>aram um<br />
movimento preconizando a "purificação" da Igreja Anglicana, isto é, a eliminação <strong>de</strong> todo<br />
resquício <strong>de</strong> catolicismo. Em geral, não se consi<strong>de</strong>rava eliminada a ameaça <strong>de</strong> reaproximação<br />
com Roma e conseqüente subordinação ao Papa. Essa ameaça po<strong>de</strong>ria concretizar-se através<br />
da Casa Real. Carlos I casou-se com uma católica e pertenciam a essa confissão tanto Carlos<br />
II como Jaime II, configurando, na visão da época, ameaça real <strong>de</strong> restauração do quadro<br />
anterior.<br />
(7) Obra citada, p. 28.<br />
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