Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
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<strong>de</strong>terminado consenso quanto ao comportamento moral digno <strong>de</strong> aprovação? Hume<br />
respon<strong>de</strong>ria que a partir <strong>de</strong> dois impulsos primários, irracionais, sedimentados pela<br />
experiência: a busca do que é agradável e a utilida<strong>de</strong>, sendo esta nitidamente aproximada da<br />
eficácia. A investigação que leva a cabo permite-lhe concluir que esta, isto é, a circunstância<br />
da utilida<strong>de</strong> "tem, em geral, a mais potente ação e o mais completo domínio sobre nossos<br />
sentimentos. E necessário pois que seja a fonte <strong>de</strong> uma parte consi<strong>de</strong>rável do mérito atribuído<br />
à humanida<strong>de</strong> , à benevolência, à amiza<strong>de</strong>, ao espírito público e às outras virtu<strong>de</strong>s sociais<br />
<strong>de</strong>ste caráter; do mesmo modo que é a única fonte da aprovação moral dada à fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>, à<br />
justiça, à integrida<strong>de</strong> e às outras qualida<strong>de</strong>s e princípios estimáveis e úteis. Acha-se <strong>de</strong> inteiro<br />
acordo com as regras da filosofia, e mesmo da razão comum, atribuir a um princípio, uma vez<br />
que tenha sido <strong>de</strong>scoberto em dada circunstância com força e energia consi<strong>de</strong>ráveis, uma<br />
energia análoga em todos os casos semelhantes. E em verda<strong>de</strong> a principal regra filosófica <strong>de</strong><br />
Newton". (6)<br />
Com Hume, portanto, a ética social assume feição teórica <strong>de</strong>finida, <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>-se<br />
das preocupações <strong>de</strong> caráter moralizante, e correspon<strong>de</strong> também a uma hipótese <strong>de</strong><br />
fundamentação da moral <strong>de</strong>ntre as surgidas na Época Mo<strong>de</strong>rna. Encarada a questão do ângulo<br />
da separação entre moral e religião, no plano da meditação ética, caberia a Kant<br />
complementar a investigação iniciada pelos ingleses. Ao fazê-lo, formularia uma outra<br />
hipótese <strong>de</strong> fundamentação, conforme procuraremos <strong>de</strong>monstrar no capítulo seguinte.<br />
A obra <strong>de</strong> Hume constitui legitimamente o coroamento da meditação prece<strong>de</strong>nte,<br />
pela circunstância <strong>de</strong> que passa-a em revista e propicia-lhe uma formulação harmoniosa. Vêse<br />
pela correspondência que assumiu esse papel <strong>de</strong> modo <strong>de</strong>liberado e pretendia colocar-se à<br />
altura <strong>de</strong> seus gran<strong>de</strong>s pre<strong>de</strong>cessores, <strong>de</strong> Locke, em matéria <strong>de</strong> teoria do conhecimento, e <strong>de</strong><br />
Shafsterbury, Man<strong>de</strong>ville e Butler, no que toca à teoria moral. Empenhou-se mesmo em obter<br />
a aprovação <strong>de</strong> Butler e, com esse propósito, ao ultimar a edição do <strong>Tratado</strong> da natureza<br />
humana, em 1739, eliminou as referências à religião que po<strong>de</strong>riam <strong>de</strong>sgostá-lo.<br />
A investigação que remonta ao começo do século serviu para evi<strong>de</strong>nciar que,<br />
sendo o homem um conjunto <strong>de</strong> paixões, apetites e afeições, resta explicar como esse<br />
conjunto, a rigor instintivo, possa ser conduzido no sentido da virtu<strong>de</strong>. Butler havia<br />
evi<strong>de</strong>nciado que o homem dispõe <strong>de</strong> um princípio, a consciência moral, que no exercício <strong>de</strong><br />
sua autorida<strong>de</strong> propicia aquele <strong>de</strong>sfecho, facilitado pela circunstância <strong>de</strong> que as próprias<br />
paixões, apetites e afeições se direcionavam, naturalmente, para aquele mesmo fim. Butler o<br />
afirmara observando os homens naquilo que, a seu ver, tinham <strong>de</strong> mais estável. Seguiu uma<br />
tendência que os pensadores ingleses cultivavam e <strong>de</strong>senvolviam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Novum Organum<br />
(1620), <strong>de</strong> Francis Bacon (1561/1626), escrito justamente para estabelecer as regras da<br />
observação rigorosa. Contudo, parecera a Hume que estava sendo ignorado um outro lado<br />
<strong>de</strong>ssa mesma tendência tradicional, a valorização da experiência. Foi, portanto, para inserir a<br />
noção <strong>de</strong> experiência no próprio núcleo central do <strong>de</strong>bate que publicou o <strong>Tratado</strong> da natureza<br />
humana, que traz este expressivo subtítulo: "Ensaio para introduzir o método experimental<br />
nos sujeitos morais".<br />
O estudo a que proce<strong>de</strong> das paixões é <strong>de</strong>talhado e minucioso. Seu propósito<br />
consiste em apreen<strong>de</strong>r os elementos efetivamente <strong>de</strong>finidores, naquilo que o homem tem <strong>de</strong><br />
comum com os animais, isto é, no estrito plano dos instintos.<br />
(6) Inquérito, trad. cit., ed. cit., p. 60.<br />
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