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Tratado de Ética - Instituto de Humanidades

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discussão teve lugar da forma mais abrangente. Ali, entretanto, o encaminhamento ocorreu na<br />

direção do plano social.<br />

Examinando-se o fenômeno à distância, vê-se que na Inglaterra o surgimento da<br />

moral social <strong>de</strong> tipo consensual é algo <strong>de</strong> muito nítido. O exercício do magistério moral da<br />

Igreja, em presença da multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> crenças, torna-se virtualmente impossível. As<br />

prolongadas dissenções do século XVII evi<strong>de</strong>nciam que a imposição <strong>de</strong> qualquer ponto <strong>de</strong><br />

vista requer uma dose tal <strong>de</strong> violência que nenhuma instituição se sustenta. A fase em que a<br />

Igreja Anglicana era obstada <strong>de</strong> funcionar alternou-se com a proibição dos cultos dissi<strong>de</strong>ntes.<br />

O Parlamento foi dissolvido pelos dois lados e chegou mesmo a duplicar-se.<br />

Depois da Revolução Gloriosa, que eliminou <strong>de</strong> vez a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> restauração<br />

católica, através da Casa Real, fracassa a tentativa <strong>de</strong> substituir o magistério moral da Igreja<br />

.pelo <strong>de</strong> uma entida<strong>de</strong> do tipo da Socieda<strong>de</strong> para a Reforma dos Costumes. Mas também a<br />

votação do Ato <strong>de</strong> Tolerância, em 1689, não correspon<strong>de</strong> a consenso da socieda<strong>de</strong>, sendo<br />

nitidamente <strong>de</strong> natureza impositiva. No século XIX, naquelas questões em que princípios<br />

morais consolidados precisam ser alterados, o Parlamento não se antecipa. Vale dizer: só se<br />

transita da moral para o direito quando se trata da expressão <strong>de</strong> consenso, refletindo pleno<br />

amadurecimento da socieda<strong>de</strong> na matéria. Tal evidência po<strong>de</strong>ria sugerir que a moral social <strong>de</strong><br />

tipo consensual começa a insinuar-se durante o século XVIII. (1)<br />

Terá a discussão teórica contribuído para semelhante <strong>de</strong>sfecho? O surgimento da<br />

moral social <strong>de</strong> tipo consensual pressupõe uma discussão prévia ou concomitante? São<br />

perguntas para as quais provavelmente não há respostas unívocas, como <strong>de</strong> resto em quase<br />

tudo <strong>de</strong> efetiva relevância no curso da história.<br />

Se não po<strong>de</strong>mos respon<strong>de</strong>r satisfatoriamente a esse tipo <strong>de</strong> indagação, estamos<br />

entretanto perfeitamente habilitados a acompanhar os seus <strong>de</strong>sdobramentos no plano teórico.<br />

Na discussão inglesa, a par do reconhecimento da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dissociar-se a<br />

moral da religião, no que se refere à socieda<strong>de</strong>, sobressai o acordo tácito quanto à<br />

<strong>de</strong>pendência do indivíduo, nessa matéria, da confissão a que pertença, solução que não<br />

satisfaria a todos os espíritos, pelo que a discussão teórica terá continuida<strong>de</strong>.<br />

A hipótese <strong>de</strong> Bayle era a <strong>de</strong> que religião e moral circulavam em esferas<br />

plenamente distintas, a primeira dizendo respeito à fé, às crenças, aos dogmas; a segunda<br />

requerendo escolhas e opções conscientes. Ao ser formulada essa proposição, a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> diferenciar moral social da moral individual achava-se insuspeitada. A tradição teórica<br />

consistia em associar o comportamento moral à idéia <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>.<br />

As ações humanas ocorrem por uma <strong>de</strong>cisão da vonta<strong>de</strong>. Para agir, é necessário<br />

que a vonta<strong>de</strong> se mobilize para fazê-lo. Se as <strong>de</strong>terminantes <strong>de</strong> tal opção são externas, não há<br />

qualquer exercício da liberda<strong>de</strong>. Se são internas, o ato só permanece livre quando a<br />

<strong>de</strong>terminação provém da consciência moral e não <strong>de</strong> qualquer outra espécie <strong>de</strong> coação, a<br />

(1) ) As tra<strong>de</strong>-unions constituem exemplo típico. Tendo sido organizadas para impedir pela força a introdução <strong>de</strong><br />

máquinas nas manufaturas, foram ferozmente reprimidas nos começos do século XIX. Até os anos quarenta não<br />

eram permitidas, passando posteriormente a ser toleradas na medida em que se torna patente seu caráter<br />

aglutinador do interesse dos trabalhadores. E assim chegam a realizar um Congresso em 1868, instituindo<br />

entida<strong>de</strong> nacional. Entretanto, disposições regulando o seu funcionamento somente seriam promulgadas pelo<br />

Parlamento entre 1871 e 1876.<br />

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