Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
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"Conceber o que é, eis a tarefa da filosofia, pois o que é equivale à razão. No que<br />
se refere ao indivíduo, cada um é filho <strong>de</strong> seu tempo; a filosofia, do mesmo modo, resume seu<br />
tempo no pensamento. Seria estúpido imaginar que um filósofo qualquer ultrapasse o mundo<br />
contemporâneo do mesmo modo que um indivíduo salte por cima do seu tempo... Se uma<br />
teoria <strong>de</strong> fato ultrapassa esses limites, se constrói um mundo tal qual <strong>de</strong>va ser, este mundo<br />
existe somente em sua opinião, elemento inconsistente que po<strong>de</strong> assumir não importa que<br />
forma." (16)<br />
Do que se indicou prece<strong>de</strong>ntemente, vê-se que a <strong>de</strong>nominada ética hegeliana é<br />
algo <strong>de</strong> muito ambíguo e impreciso. Enquanto o esforço do pensamento mo<strong>de</strong>rno cifra-se em<br />
<strong>de</strong>limitar com rigor a esfera <strong>de</strong> sua abrangência, para distingui-la plenamente tanto da religião<br />
como do direito, o esforço <strong>de</strong> Hegel dá-se na direção oposta, superpondo esses conceitos e<br />
esmaecendo as suas fronteiras. Além do mais, como frisamos, não correspon<strong>de</strong> a exame<br />
específico do tema.<br />
Hegel não consi<strong>de</strong>rou o problema teórico da moral social, como o fizeram os<br />
ingleses. Assim, sua "ética" reduz-se a dois postulados: 1°) por seu caráter subjetivo a moral<br />
individual requer ser superada; e, 2º) o Estado é o ser moral por excelência.<br />
A superação do caráter subjetivo da moral dá-se pelo direito. A questão do<br />
trânsito <strong>de</strong> uma esfera à outra é naturalmente complexa, pela dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua<br />
reconstituição, em <strong>de</strong>corrência sobretudo do fato <strong>de</strong> que, em gran<strong>de</strong> parte da história do<br />
Oci<strong>de</strong>nte, a moral confun<strong>de</strong>-se com a religião. Na Época Mo<strong>de</strong>rna, ali on<strong>de</strong> a moral<br />
conquistou sua autonomia, po<strong>de</strong>-se dizer que o trânsito para o direito dá-se por consenso. Mas<br />
isto não significa que todas as questões morais venham algum dia a experimentar semelhante<br />
processo. Quem tem um mínimo <strong>de</strong> familiarida<strong>de</strong> com aquilo que os gran<strong>de</strong>s tratadistas<br />
arrolaram para exaltar a virtu<strong>de</strong>, dá-se conta da improprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> semelhante expectativa.<br />
Não haverá socieda<strong>de</strong> da qual sejam banidas a inveja, a mesquinhez, a falta <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za e<br />
nenhum direito po<strong>de</strong>rá enquadrar e punir os invejosos e mesquinhos.<br />
A esse propósito vale lembrar aqui a arguta observação <strong>de</strong> Bene<strong>de</strong>tto Crocce<br />
quanto ao erro em que inci<strong>de</strong> Hegel ao colocar no mesmo plano a evolução do espírito em<br />
suas <strong>de</strong>terminações concretas, a que chama <strong>de</strong> dialética das graus e o pensamento <strong>de</strong>ssa<br />
evolução (dialética dos contrários: conceito universal; concreto, idéia). Em Hegel tudo se<br />
passa como se da superação (teórica) da religião pela filosofia resultasse o <strong>de</strong>saparecimento<br />
da primeira ou que o surgimento do Estado Constitucional eliminasse a moralida<strong>de</strong>, tanto<br />
social quanto individual. Escreve Croce:<br />
"O espírito individual passa da arte à filosofia e torna a passar da filosofia à arte,<br />
do mesmo modo porque passa <strong>de</strong> uma forma <strong>de</strong> arte a outra, ou <strong>de</strong> um problema <strong>de</strong> filosofia a<br />
outro: isto é, não por contradições intrínsecas a cada uma <strong>de</strong>ssas formas na sua distinção, mas<br />
pela própria contradição intrínseca ao real que é <strong>de</strong>vir; e o espírito universal não passa <strong>de</strong> a a<br />
b e <strong>de</strong> b a a por outra necessida<strong>de</strong> que não seja a <strong>de</strong> sua eterna natureza, que é <strong>de</strong> ser ao<br />
mesmo tempo arte e filosofia, teoria e prática ou o que mais se queira. Tanto isto é verda<strong>de</strong><br />
que, se esta passagem i<strong>de</strong>al fosse <strong>de</strong>terminada pela contradição que se <strong>de</strong>senvolveria<br />
(16) Prefácio dos Princípios da Filosofia do Direito (1821), trad. francesa, Paris, Gallimard, 13ª ed., 1940, p. 31.<br />
A questão do seu pensamento político foi consi<strong>de</strong>rada, entre outros, por Eric Weil – Hegel et L’État, Paris, Vrin,<br />
1950; Eugene Fleischmann – La philosophie politique <strong>de</strong> Hegel, Paris, Plon, 1964; e Norberto Bobbio – Estudos<br />
sobre Hegel: direito, socieda<strong>de</strong> civil, Estado, São Paulo, Brasiliense, 1989.<br />
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