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Tratado de Ética - Instituto de Humanidades

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medida dos pulsos alterados, dos humores circulatórios, dos ares e espíritos móveis forem<br />

perdidos ou perturbados, aí entrará a <strong>de</strong>formida<strong>de</strong> e com ela a calamida<strong>de</strong> e a ruína.<br />

Não seria assim também (haveria <strong>de</strong> se imaginar) no caso da mente? Não há ali<br />

também algo que ten<strong>de</strong> à perturbação e à dissolução? Não haverá uma natural tensão, dom ou<br />

or<strong>de</strong>m das paixões ou afeições? Ou, admitindo que assim possa ser não terá,<br />

conseqüentemente, que implicar em saú<strong>de</strong> ou doença, prosperida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong>sastre? Não será<br />

encontrado, neste aspecto, acima <strong>de</strong> tudo, que aquilo que é belo é harmonioso e proporcional,<br />

que o que é harmonioso e proporcional é verda<strong>de</strong>iro, e que o que for ao mesmo tempo belo e<br />

verda<strong>de</strong>iro será conseqüentemente bom?” (3)<br />

Confrontando as doutrinas <strong>de</strong> Shafsterbury com a posição dos religiosos<br />

ortodoxos, Thomas Horne teria oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escrever:<br />

“Embora existam diferenças em aspectos importantes entre Shafsterbury e os<br />

religiosos ortodoxos, é claro que têm em comum algumas posições. De fato, po<strong>de</strong>r-se-ia dizer<br />

que enquanto os i<strong>de</strong>ólogos da reforma social <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m o espírito público com argumentos<br />

teológicos e, em certos casos, históricos, Shafsterbury proporciona uma psicologia moral<br />

como sustentáculo dos argumentos em favor do interesse público. Atos <strong>de</strong>sinteressados<br />

dirigidos ao bem público <strong>de</strong>finem a virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> ambos. Argumentos contra a luxúria, a avareza,<br />

a cobiça e a vaida<strong>de</strong> são encontrados em Shafsterbury, da mesma forma que nos ortodoxos. E,<br />

mais importante, ainda que Shafsterbury tenha separado a moralida<strong>de</strong> da religião, a manteve<br />

em estreita aliança com a política. Consi<strong>de</strong>rou como sendo óbvio que “moralida<strong>de</strong> e bom<br />

governo marcham juntos”. (4)<br />

Assim, embora Shafsterbury tenha partido da premissa essencial – e que ainda não<br />

ganhara reconhecimento universal na socieda<strong>de</strong> inglesa <strong>de</strong> seu tempo – <strong>de</strong> que a moral não se<br />

confun<strong>de</strong> com a religião, não conseguiu <strong>de</strong> fato isolar a temática que lhe era própria, se bem<br />

tenha sabido enfatizar que o essencial do <strong>de</strong>bate residia em seu aspecto social. Ainda a<br />

manteve muito próxima da gestão da coisa pública, através do sistema representativo, o que<br />

não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser uma forma <strong>de</strong> obscurecimento da natureza mesma da moral social, que <strong>de</strong>ve<br />

distinguir-se claramente do direito. Contudo, buscou abrir caminho na direção do<br />

entendimento pleno da moral social, distinta da individual, e o fez, para usar uma expressão<br />

<strong>de</strong> Chaim Perelman (Introduction historique à la philosophie morale, Editions <strong>de</strong> l’Université<br />

<strong>de</strong> Bruxelles, 1980), promovendo a categoria da dignida<strong>de</strong> moral, isto é, a idéia <strong>de</strong> que a ação<br />

moral é in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte tanto da recompensa como da própria aprovação. Ao que acrescenta<br />

Perelman: “É a concepção <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> senhor que se preocupa antes <strong>de</strong> tudo com a estima<br />

que tem por si mesmo”.<br />

Shafsterbury tinha saú<strong>de</strong> precária e viveu em Nápoles os últimos anos <strong>de</strong> sua vida,<br />

tendo falecido jovem, aos 42 anos. Sua obra teve o mérito <strong>de</strong> contrapor-se à i<strong>de</strong>ntificação da<br />

noção <strong>de</strong> interesse com algo <strong>de</strong> sórdido e con<strong>de</strong>nável, que era lugar comum na época. Ao<br />

fazê-lo, obrigou pensadores da categoria <strong>de</strong> Man<strong>de</strong>ville a vir em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong>ssa posição, com o<br />

que se manteve vivo o <strong>de</strong>bate no plano teórico – e não apenas no âmbito das preocupações<br />

moralizantes, mais freqüentes e mais atuantes –, o que parece ter sido essencial à conquista do<br />

consenso posterior.<br />

(3) Antologia citada, p. 246-247.<br />

(4) The Social Tought of Bernard Man<strong>de</strong>ville, London, Macmillan, 1978, p. 36.<br />

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