Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
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intrínseca a um <strong>de</strong>terminado grau, não tornaria a ser possível voltar àquele grau, reconhecido<br />
como contraditório: tornar a ele seria uma <strong>de</strong>generescência ou um atraso”. (17)<br />
E quanto ao segundo postulado, isto é, à noção <strong>de</strong> que o Estado possa se constituir<br />
no ser moral por excelência, é daquelas que os juristas <strong>de</strong>nominam <strong>de</strong> contraditio in adjecto.<br />
A moral não po<strong>de</strong> louvar-se da força. O Estado, como entreviu Max Weber, é a esfera da<br />
violência legalizada.<br />
Cap. 6 – As sugestões <strong>de</strong> Max Weber como corolário do <strong>de</strong>bate prece<strong>de</strong>nte<br />
6.1 – A questão da eficácia da moral kantiana<br />
A meditação ética <strong>de</strong> Kant correspon<strong>de</strong> a exercício meramente teórico ou<br />
preten<strong>de</strong>, igualmente, tornar-se um guia para a conduta dos homens? O próprio Kant<br />
respon<strong>de</strong>ria afirmativamente ao escrever a Doutrina da Virtu<strong>de</strong>.<br />
A Doutrina da Virtu<strong>de</strong> correspon<strong>de</strong> a um or<strong>de</strong>namento magistral do que a<br />
meditação prece<strong>de</strong>nte elaborou com vistas ao culto da virtu<strong>de</strong>, inteiramente <strong>de</strong>spojado da<br />
intenção <strong>de</strong> constituir-se em receituário mas <strong>de</strong>stinado a <strong>de</strong>senvolver nos homens a noção <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ver. Agora, as exigências <strong>de</strong> caráter moral estão dissociadas das preocupações com a<br />
salvação da própria alma, servindo assim para todos os homens, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> suas<br />
crenças religiosas. Louva-se da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana em que todos se <strong>de</strong>vem inspirar,<br />
como i<strong>de</strong>al, mas também sem supor que isto, por si só, expulsará a malda<strong>de</strong> do mundo. A<br />
existência <strong>de</strong>sta, contudo, não os exime da busca incessante do cumprimento do <strong>de</strong>ver.<br />
Como indicamos prece<strong>de</strong>ntemente, o livro está dividido em dois gran<strong>de</strong>s<br />
segmentos, a saber, os <strong>de</strong>veres para consigo mesmo e os <strong>de</strong>veres para com os outros. Breves<br />
consi<strong>de</strong>rações sobre estes últimos serão suficientes para tornar claro o espírito da obra.<br />
A inferência <strong>de</strong> nossos <strong>de</strong>veres para com os outros provém da correlação que<br />
saibamos estabelecer entre o amor e o respeito, consi<strong>de</strong>rados não apenas como sentimentos<br />
mas como uma prática em busca <strong>de</strong> certa perfeição. Escreve Kant:<br />
"Graças ao princípio do amor recíproco os homens são levados continuamente a<br />
se aproximar uns dos outros; e graças ao do respeito, que eles se <strong>de</strong>vem uns aos outros, a se<br />
manterem à distância uns dos outros e se uma <strong>de</strong>ssas gran<strong>de</strong>s forças morais viesse a <strong>de</strong>clinar,<br />
então, se me posso servir aqui das palavras <strong>de</strong> Haller, sob um outro prisma, ‘o nada (da<br />
imoralida<strong>de</strong>) engoliria em seu abismo todo o reino dos seres (morais) como uma gota<br />
d'água’." (1)<br />
A Doutrina da Virtu<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ra, separadamente, os <strong>de</strong>veres do amor e do<br />
respeito. No primeiro caso, consistem na beneficência ("ajudar segundo os seus meios, sem<br />
nada esperar por isto, aqueles que estão na miséria a reencontrar a sua felicida<strong>de</strong>"),<br />
reconhecimento (que consiste em honrar uma pessoa em razão <strong>de</strong> um benefício que se<br />
recebeu <strong>de</strong>le) e simpatia, ao comungarmos da alegria ou dos sofrimentos dos outros. Os vícios<br />
(17)<br />
O que é vivo e o que é morto na filosofia <strong>de</strong> Hegel (1906), trad. portuguesa, Coimbra, Imprensa da<br />
Universida<strong>de</strong>, 1933, p. 81.<br />
(1)<br />
Tradução francesa in Oeuvres philosophiques, ed. cit. da Bibliothèque <strong>de</strong> la Pléia<strong>de</strong>, vol. III, p. 741.<br />
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