Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
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expressar a primeira meta<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta frase da seguinte forma: ‘No início éramos um para o outro<br />
tão somente um meio’ – e <strong>de</strong>sta forma po<strong>de</strong>ríamos consi<strong>de</strong>rar a frase inteira como um caso<br />
particular do célebre imperativo categórico que curiosamente nos agradou apresentar como<br />
uma expressão puramente histórica do ‘individualismo’, quando, na realida<strong>de</strong>, trata-se <strong>de</strong> uma<br />
formulação absolutamente genial para caracterizar uma infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> situações éticas, que<br />
<strong>de</strong>vem ser evi<strong>de</strong>ntemente compreendidas corretamente”. (4)<br />
O fato <strong>de</strong> que o imperativo categórico corresponda a "uma formulação<br />
absolutamente genial para caracterizar uma infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> situações éticas” <strong>de</strong>corre da<br />
circunstância <strong>de</strong> que resume o essencial do <strong>de</strong>cálogo <strong>de</strong> Moisés e, em geral, das regras morais<br />
<strong>de</strong>vidas ao cristianismo. Trata-se <strong>de</strong> que essas regras <strong>de</strong>finem um i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> pessoa humana.<br />
Os i<strong>de</strong>ais morais são, num certo sentido, inatingíveis, mas <strong>de</strong>sempenham um<br />
papel primordial. O próprio Kant tivera a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> advertir para o seu significado, na<br />
Crítica da Razão Pura, ao indicar que “nós não temos, para julgar nossas ações, outra regra<br />
senão a conduta <strong>de</strong>ste homem divino que conduzimos em nós (chama-o <strong>de</strong> sábio estóico, no<br />
sentido <strong>de</strong> i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> pessoa humana) e ao qual nos comparamos para nos julgar e também para<br />
nos corrigir, mas sem po<strong>de</strong>r jamais alcançar a perfeição”. (5)<br />
Po<strong>de</strong>-se inferir, também, da aceitação por Max Weber do imperativo categórico <strong>de</strong><br />
Kant, com suas inevitáveis conseqüências, que a ética <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> incorpora,<br />
igualmente, a célebre distinção que Kant estabeleceu entre máxima e lei. Para Kant, ao agir o<br />
homem formula uma <strong>de</strong>terminada máxima que correspon<strong>de</strong> ao que po<strong>de</strong>ríamos chamar <strong>de</strong><br />
“princípio subjetivo” da ação. Para saber se tal princípio po<strong>de</strong> ganhar objetivida<strong>de</strong>, isto é,<br />
tornar-se uma lei válida para todo comportamento moral em circunstâncias análogas, basta<br />
que experimente dar-lhe enunciado universal. Se, por exemplo, consi<strong>de</strong>ro-me livre para fazer<br />
uma promessa sem a intenção <strong>de</strong> cumprir, basta transformar esse pressuposto numa regra<br />
geral para dar-se conta <strong>de</strong> que invalidaria completamente toda classe <strong>de</strong> promessa.<br />
Po<strong>de</strong>-se dizer, em síntese, que o aludido núcleo da moral kantiana – imperativo<br />
categórico, i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> pessoa humana e diferença entre máxima e lei – incorpora-se<br />
automaticamente à ética <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>.<br />
Contudo, a pessoa humana encarada por Kant equivale ao homem universal no<br />
grau máximo <strong>de</strong> abstração, quando a pretensão da ética <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> consiste em<br />
formular princípios <strong>de</strong> moral individual que tenham eficácia prática, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da<br />
a<strong>de</strong>são do indivíduo a essa ou àquela religião, ou mesmo em face <strong>de</strong> sua irreligiosida<strong>de</strong>.<br />
No que se refere a esse aspecto, Max Weber <strong>de</strong>ixou indicações explícitas quanto à<br />
redução, naquela categoria, <strong>de</strong>corrente da condição humana <strong>de</strong> pertencer a essa ou àquela<br />
nação. O exemplo que nos legou é <strong>de</strong>veras expressivo e diz respeito ao comportamento dos<br />
pacifistas no período anterior à I Guerra Mundial, causa a que a<strong>de</strong>rira. O fato <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejar a paz<br />
e lutar por ela, diz Weber, não exime o cidadão do <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> patriotismo. Assim, os pacifistas<br />
alemães que se aferraram a essa posição quando a Alemanha entrou em guerra, não podiam<br />
invocar em seu favor nenhuma condição <strong>de</strong> neutralida<strong>de</strong>. Na verda<strong>de</strong>, se não ajudavam à<br />
Nação em guerra, gostariam <strong>de</strong> vê-la <strong>de</strong>rrotada. Weber não aceitou semelhante colocação e<br />
participou do esforço nacional <strong>de</strong> guerra. Com o <strong>de</strong>sfecho <strong>de</strong>sta em favor dos Aliados,<br />
tampouco aceitou que a Alemanha fosse expropriada a título <strong>de</strong> "in<strong>de</strong>nizações".<br />
(4) Tradução francesa in Essais sur la theorie <strong>de</strong> la science, ed. cit., p. 425-426.<br />
(5) Crítica da Razão Pura, tradução francesa, Paris, PUF, 2ª ed., 1950, p. 413-414.<br />
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