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Tratado de Ética - Instituto de Humanidades

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produzem paixões indiretas do orgulho ou da humilda<strong>de</strong>, do amor ou do ódio, que têm, neste<br />

caso, uma dupla associação <strong>de</strong> impressões e <strong>de</strong> idéias com a dor e o prazer." (8)<br />

Como se dá, contudo, que estes sentimentos venham a ser associados à virtu<strong>de</strong> e<br />

ao vício? A <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong>sse trânsito exigirá que se leve em conta o caráter social da<br />

moralida<strong>de</strong>. Será no exame <strong>de</strong>sse relacionamento social que se tornará possível verificar que a<br />

experiência há <strong>de</strong> ter permitido i<strong>de</strong>ntificar o que era útil ao fim visado. O princípio <strong>de</strong><br />

utilida<strong>de</strong> sobressai mesmo nas mais sofisticadas construções humanas.<br />

Quando publicou, doze anos <strong>de</strong>pois, em 1751, o Inquérito sobre os princípios da<br />

moral, Hume não a fez prece<strong>de</strong>r, como no <strong>Tratado</strong>, da análise das paixões. Queria certamente<br />

atingir público mais amplo, reconhecendo a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acompanhar os raciocínios que<br />

<strong>de</strong>senvolvera no primeiro livro. Esperava, contudo, que partindo das principais criações<br />

artificiais do homem, em matéria <strong>de</strong> moral, como a bem-aventurança e a justiça, seria possível<br />

<strong>de</strong>monstrar que se acham correlacionadas àquelas tendências naturais que prece<strong>de</strong>ntemente<br />

estudara com tanta minúcia. Escreve Hume no Inquérito sobre os princípios da moral:<br />

"Em geral, que elogio está implícito em um epíteto simples como ‘útil’? E quanta<br />

reprovação no epíteto oposto?<br />

Os seus <strong>de</strong>uses, diz Cícero ao opor-se aos epicuristas, não po<strong>de</strong>m <strong>de</strong> direito exigir<br />

o culto e a adoração <strong>de</strong> algumas perfeições imaginárias que vocês possam supor que possuam<br />

(De Natura Deorum, livro I, cap. XXXVI, on<strong>de</strong> Cícero compara a inutilida<strong>de</strong> dos <strong>de</strong>uses<br />

epicuristas com a utilida<strong>de</strong> dos animais idolatrados pelos egípcios: ibis, ichneumons,<br />

crocodilos e gatos). Eles são totalmente inúteis e inertes. Mesmo os egípcios que vocês<br />

criticam tanto só consagraram o animal que tivesse utilida<strong>de</strong>.<br />

Os céticos afirmam, ainda que isto seja absurdo, que a origem <strong>de</strong> todos os cultos<br />

religiosos é a utilida<strong>de</strong> dos objetos inanimados, como o sol e a lua, quanto à conservação e o<br />

bem-estar dos homens (Sextus Empiricus – Contra os Sábios, livro VIII, livro IX, caps.<br />

XVIII, XXXIX e LII, on<strong>de</strong> Sextus relata a opinião <strong>de</strong> Prodicus sobre a adoração dos astros e<br />

<strong>de</strong> tudo que serve para preservar a vida humana. Cícero – De Natura ... livro I, cap. XLII, cita<br />

também a opinião <strong>de</strong> Prodicus). E também a razão comumente apontada pelas historiadores<br />

para explicar a idolatria <strong>de</strong> heróis e <strong>de</strong> legisladores eminentes (Diodoro da Sicília, passim).<br />

Plantar uma árvore, cultivar um campo, gerar filhos, são consi<strong>de</strong>rados atos<br />

louváveis na religião <strong>de</strong> Zoroastro.<br />

Em todas as <strong>de</strong>terminações morais esta circunstância <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> pública acha-se<br />

sempre presente e quando surgem as discussões, tanta na filosofia quanto no cotidiano, a<br />

respeito dos limites do <strong>de</strong>ver, a questão não po<strong>de</strong> <strong>de</strong> maneira alguma ser <strong>de</strong>cidida com maior<br />

certeza do que se estabelecendo que <strong>de</strong> um lado se encontram os verda<strong>de</strong>iros interesses da<br />

humanida<strong>de</strong>. Se por acaso uma opinião errada a <strong>de</strong>strói, porque a aceitamos baseados em<br />

falsas aparências, logo que uma experiência mais impetuosa e um raciocínio mais sadio nos<br />

dão uma nação mais justa dos negócios humanos, nós renegamos nosso primeiro sentimento e<br />

reajustamos as fronteiras do bem e do mal, segundo a moral.” (9)<br />

Pelo conjunto <strong>de</strong> princípios apresentados prece<strong>de</strong>ntemente, Hume esclarece, <strong>de</strong><br />

uma forma que foi consi<strong>de</strong>rada coerentemente empirista em seu tempo, como se estruturam as<br />

(8) Obra citada, ed. cit., p. 699.<br />

(9) Tradução francesa, <strong>de</strong> André Leroy, Paris, Aubier, 1947, p. 34-35.<br />

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