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Tratado de Ética - Instituto de Humanidades

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punido. Não se trata <strong>de</strong> instaurar a harmonia entre os homens mas <strong>de</strong> sancionar uma situação<br />

<strong>de</strong> fato. A violência se contrapõe à liberda<strong>de</strong>. Tal verificação leva à <strong>de</strong>scoberta da moralida<strong>de</strong><br />

como algo <strong>de</strong> subjetivo, como <strong>de</strong>ver ser.<br />

Sigamos a Hegel nesse trânsito do direito abstrato à moralida<strong>de</strong> subjetiva,<br />

louvando-nos das indicações <strong>de</strong> François Chatelet:<br />

"O contrato a ninguém protege efetivamente da injustiça; contenta-se em <strong>de</strong>fini-la.<br />

Estipula que <strong>de</strong>va ser punido quem não o respeite, voluntária ou involuntariamente. O tribunal<br />

tem por função <strong>de</strong>terminar a culpa e a pena. Ora, a ação do tribunal somente po<strong>de</strong> ser<br />

violenta. Para manter a paz que <strong>de</strong>ve reinar entre proprietários que se reconheçam uns aos<br />

outros em sua posse legítima, introduz a força. Não existe direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> sem direito<br />

<strong>de</strong> punir, já o indicara Locke. Ora, a punição aplica-se ao ser mesmo do criminoso, atinge a<br />

sua liberda<strong>de</strong>, a golpeia. Apóia-se no fato <strong>de</strong> que o direito confere ao indivíduo a condição <strong>de</strong><br />

pessoa; mas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que esta é reduzida à sua posse, aplica-se a constrangê-la tão somente em<br />

sua exteriorização.<br />

A verda<strong>de</strong> do direito privado é a lei do talião; se nos mantivermos nesse nível,<br />

expomo-nos a conceber a relação social como sucessão infinita <strong>de</strong> "revanches e vinganças".<br />

Trata-se <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m abstrata, que não admite senão uma universalização formal constituída<br />

<strong>de</strong> parcialida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> contradições. A transcendência do direito – a verda<strong>de</strong> da proprieda<strong>de</strong> e<br />

<strong>de</strong> seus corolários, o contrato e o <strong>de</strong>lito – é uma falsa transcendência, que confirma <strong>de</strong> modo<br />

elementar este dado, incontestável mas inconsistente: todo homem po<strong>de</strong> possuir o que,<br />

correspon<strong>de</strong>ndo às suas necessida<strong>de</strong>s, encontra-se nos limites <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ocupação<br />

e <strong>de</strong> seu trabalho, enten<strong>de</strong>r-se provisoriamente com os que reconhecem um tal direito e<br />

instituir tribunais tendo o po<strong>de</strong>r efetivo <strong>de</strong> impor tal organização. A paz assim <strong>de</strong>terminada,<br />

sem outra função além <strong>de</strong> tornar aceitável a violência inicial da posse, tem a força como único<br />

fundamento, isto é, o po<strong>de</strong>r dos proprietários.<br />

O império do direito privado é pois ilusoriamente o da liberda<strong>de</strong>. Des<strong>de</strong> logo, esta<br />

última reflui sobre si mesma, compreen<strong>de</strong> que correspon<strong>de</strong> ao seu próprio fundamento e que<br />

não tem porque buscar fora <strong>de</strong> si o princípio <strong>de</strong> sua legitimação. A exteriorização na<br />

proprieda<strong>de</strong>, no ter, se opõe logicamente interiorizarão moralista. ... É necessário que o sujeito<br />

seja livre (senão não é mais sujeito): ele <strong>de</strong>ve ser...” (14)<br />

Hegel segue aqui a Kant quando <strong>de</strong>fine o direito sem referência à sua<br />

característica essencial – opor-se ao fato e se constituir concretamente <strong>de</strong> um direito positivo,<br />

resultante das leis escritas ou dos costumes que têm força <strong>de</strong> lei – mas buscando enfatizar<br />

aquilo a que correspon<strong>de</strong>ria sua natureza primordial. Para Kant o direito correspon<strong>de</strong> as<br />

condições necessárias ao acordo das vonta<strong>de</strong>s segundo uma lei <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>. Esta seria a<br />

matéria da filosofia do direito, que pressupõe o conhecimento do direito propriamente dito.<br />

Neste ponto Hegel acompanha a tradição iniciada no século XVIII, se fizermos abstração do<br />

chamado direito natural, que, embora não se atenha igualmente ao direito positivo, forma<br />

nitidamente uma outra tradição.<br />

No que se refere entretanto à moralida<strong>de</strong>, Hegel rompe com os cânones<br />

consagrados. Agora a característica essencial e distintiva da moralida<strong>de</strong> – que resi<strong>de</strong> em seu<br />

caráter subjetivo – transforma-se em seu pecado capital. Existe naturalmente o problema<br />

teórico da relação entre esse caráter (subjetivo) e a objetivida<strong>de</strong> do código. Quando se transita<br />

(14) Hegel, Paris, Editions du Seuil, 1968, p. 134-135.<br />

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