Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
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objeto e fim seja o bem <strong>de</strong> outro, isto será a própria benevolência ou o amor do outro. Quer<br />
seja breve, quer esteja em grau reduzido, quer se encontre infelizmente reprimida, isto prova a<br />
afirmação e revela para que fomos <strong>de</strong>signados, da mesma forma que se estivesse realmente<br />
em maior grau e extensão. Devo contudo lembrar que, embora benevolência e amor-próprio<br />
sejam diferentes; embora a primeira tenda mais diretamente para o bem público e o outro para<br />
o privado, são <strong>de</strong> fato tão perfeitamente coinci<strong>de</strong>ntes que as maiores satisfações que possamos<br />
ter <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> que tenhamos benevolência no grau <strong>de</strong>vido, e que o amor próprio é um guia<br />
seguro para o nosso a<strong>de</strong>quado comportamento em relação à socieda<strong>de</strong>. Po<strong>de</strong>-se aduzir que sua<br />
mútua coincidência, <strong>de</strong> tal sorte que dificilmente po<strong>de</strong>mos promover uma sem a outra, seja<br />
igualmente uma prova <strong>de</strong> que fomos feitos para ambos”.<br />
Em seguida Butler menciona "apetites, paixões e afeições particulares", a seu ver<br />
completamente distintas do amor-próprio e da benevolência que, <strong>de</strong> igual modo, "têm a<br />
tendência a promover o bem público e o privado". Reconhece que costumam ser confundidas<br />
e, para distingui-las, sugere que se procure diferenciar as próprias paixões e apetites do<br />
esforço para alcançar os meios <strong>de</strong> sua gratificação. Para esclarecer seu ponto <strong>de</strong> vista avança<br />
estes exemplos:<br />
"Ainda que um homem tenha aversão a si mesmo, sentiria sofrimento pela fome<br />
como sofreria pela gota; e é inteiramente possível supor a existência <strong>de</strong> criaturas dotadas <strong>de</strong><br />
amor-próprio no mais alto grau que sejam insensíveis e indiferentes (como o são os homens<br />
em certas circunstâncias) ao <strong>de</strong>sprezo e à estima daqueles <strong>de</strong> que sua felicida<strong>de</strong> não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> a<br />
qualquer respeito. E como o amor-próprio e as diversas paixões e apetites particulares são em<br />
si mesmos completamente diferentes, assim o fato <strong>de</strong> que algumas ações proce<strong>de</strong>m <strong>de</strong> um e<br />
algumas das outras será manifesto a quem quer que observe os seguintes exemplos, muito<br />
plausíveis. Um homem atira-se à ruína certa pela gratificação <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sejo presente; ninguém<br />
chamará <strong>de</strong> amor-próprio o princípio <strong>de</strong>ssa ação. Suponha um outro homem que se lança a<br />
trabalho laborioso diante da promessa <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> recompensa, sem qualquer<br />
conhecimento do que pu<strong>de</strong>sse ser tal recompensa; o curso <strong>de</strong>ssa ação não po<strong>de</strong> ser atribuído a<br />
qualquer paixão em particular. A primeira <strong>de</strong>ssas ações po<strong>de</strong> ser imputada, com certeza, a<br />
alguma paixão ou afeição particulares; a segunda certamente à afeição ou princípio geral do<br />
amor-próprio. O fato <strong>de</strong> que alguma busca por uma ação particular, em relação à qual não<br />
po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>terminar em que medida são <strong>de</strong>vidos a um ou a outro, proce<strong>de</strong> disto, isto é, <strong>de</strong> que<br />
os dois princípios estão com freqüência misturados e um acrescido ao outro”.<br />
Alguns dos apetites e paixões acham-se mais afeiçoados ao bem particular e<br />
outros ao bem público.<br />
"A fome <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rada como um apetite privado – prossegue – porque o<br />
fim para o qual nos foi dado é a preservação do indivíduo. O <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> estima é uma paixão<br />
pública; porque o fim para o qual nos foi dado é o <strong>de</strong> regular nosso comportamento em<br />
relação à socieda<strong>de</strong>. A relação que um tem para com o bem privado é tão remota quanto a<br />
outra tem para com o bem público, e o apetite não é amor-próprio do mesmo modo que a<br />
paixão não é benevolência. O objeto e o fim do primeiro é apenas a comida; o objeto e o fim<br />
do segundo é apenas a estima mas esta não po<strong>de</strong> ser gratificada sem contribuir para o bem da<br />
socieda<strong>de</strong>; da mesma forma que não po<strong>de</strong> ser gratificado sem contribuir para a preservação do<br />
indivíduo."<br />
No homem há ainda um outro princípio, que consiste na capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reflexão<br />
para aprovar ou <strong>de</strong>saprovar suas próprias ações. Assim o conceitua:<br />
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