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Tratado de Ética - Instituto de Humanidades

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que se contrapõem diretamente aos <strong>de</strong>veres do amor para com o seu semelhante são a inveja,<br />

a ingratidão e a alegria obtida com a infelicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outrem.<br />

Quanto ao respeito <strong>de</strong>vido aos outros, os <strong>de</strong>veres consistem na modéstia e na<br />

mo<strong>de</strong>ração e os vícios são o orgulho, a maledicência e a zombaria.<br />

Na visão <strong>de</strong> Kant, a amiza<strong>de</strong> po<strong>de</strong> propiciar a íntima união do amor com o<br />

respeito. Escreve a esse propósito:<br />

"A amiza<strong>de</strong> não po<strong>de</strong> ... ser uma união que visa a vantagens recíprocas, mas ela<br />

<strong>de</strong>ve ser puramente moral, e a assistência, com a qual cada um po<strong>de</strong> contar da parte do outro<br />

em caso <strong>de</strong> aflição, não <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rada como o objetivo e o princípio <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminação<br />

da amiza<strong>de</strong>, pois assim ele per<strong>de</strong>ria o respeito do outro, mas somente como o testemunho<br />

exterior da benevolência interior e cordial, suposta no outro, sem contudo <strong>de</strong>sejar pô-la à<br />

prova, coisa sempre perigosa. Eis porque cada amigo tem generosida<strong>de</strong> suficiente para poupar<br />

ao outro esta carga, para carregá-la sozinho, tomando mesmo cuidado para escondê-la <strong>de</strong>le<br />

inteiramente. Mas po<strong>de</strong> sempre, todavia, gabar-se <strong>de</strong> que em caso <strong>de</strong> aflição po<strong>de</strong>ria<br />

seguramente contar com a assistência do outro."<br />

E, mais adiante:<br />

"A amiza<strong>de</strong> moral (ao contrário da amiza<strong>de</strong> estética) é a inteira confiança que<br />

duas pessoas têm uma pela outra na comunicação recíproca <strong>de</strong> seus julgamentos secretos e <strong>de</strong><br />

suas impressões, na medida em que possa se conciliar com o respeito que se dirigem<br />

reciprocamente." (2)<br />

Deste modo, a ética <strong>de</strong> Kant não é apenas a moral do <strong>de</strong>ver, <strong>de</strong> que tanto se falou,<br />

mas, complementarmente, a moral da amiza<strong>de</strong>.<br />

Kant adverte que as suas consi<strong>de</strong>rações representam simples regras <strong>de</strong> aplicação<br />

do princípio da virtu<strong>de</strong> não sendo <strong>de</strong>stinadas diretamente aos casos da experiência, no sentido<br />

<strong>de</strong> "apresentá-los inteiramente prontos para o uso moralmente prático". Mais precisamente:<br />

não se trata <strong>de</strong> moralismo no sentido vulgar do termo e da pretensão <strong>de</strong> fornecer aos homens<br />

uma tábua que os coloque a salvo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir por si mesmos. Ao contrário disto, o que<br />

preten<strong>de</strong> é <strong>de</strong>senvolver uma consciência moral altamente aguçada, o que seria dificultado pela<br />

<strong>de</strong>pendência da moral em relação à religião.<br />

De nossa parte cabe advertir, também, que o gran<strong>de</strong> filósofo está longe <strong>de</strong> atribuir<br />

valor moral a todas as circunstâncias da vida. Inspirando-se nessa longa tradição <strong>de</strong><br />

autonomia da moral, Maurice Merleau-Ponty (1908/1961) teria oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> indicar que o<br />

homem não po<strong>de</strong> viver pendurado num juízo <strong>de</strong> valor.<br />

Para as situações em que estão envolvidas, inquestionavelmente, <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong><br />

or<strong>de</strong>m moral, Kant estava convencido <strong>de</strong> que encontrara a fórmula a<strong>de</strong>quada ao indicar que<br />

basta se perguntar se posso querer que a máxima <strong>de</strong> minha ação adquira formulação <strong>de</strong><br />

valida<strong>de</strong> universal.<br />

Contudo, nessa esfera moral apropriadamente <strong>de</strong>limitada, Kant <strong>de</strong>ixou a<br />

<strong>de</strong>scoberto inúmeras situações ao postular um homem universal não situado. Na verda<strong>de</strong>,<br />

todos nascemos num <strong>de</strong>terminado país e temos <strong>de</strong>veres para com a nossa Pátria que po<strong>de</strong>m<br />

(2) Edição citada, p. 770-771.<br />

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