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Tratado de Ética - Instituto de Humanidades

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nada e que constitui, por assim dizer, a matéria prima numinosa para o sentimento da<br />

humilda<strong>de</strong> religiosa".<br />

Esse sentimento <strong>de</strong> humilda<strong>de</strong> religiosa aparece no pano <strong>de</strong> fundo da comparação,<br />

ou do contraste, entre a plenitu<strong>de</strong> da majestas divina, que domina sobre todas as coisas, e a<br />

enorme fragilida<strong>de</strong> da criatura. Nas várias tendências da mística, o sentimento <strong>de</strong> humilda<strong>de</strong><br />

religiosa po<strong>de</strong>-se i<strong>de</strong>ntificar, basicamente, como "sentimento <strong>de</strong> criatura": o sentimento <strong>de</strong><br />

pequenez diante da majesta<strong>de</strong> todo-po<strong>de</strong>rosa <strong>de</strong> quem está sobre tudo e sobre todos.<br />

O terceiro sentimento que acompanha o numen é o expresso pelo substantivo<br />

energia Essa qualida<strong>de</strong> do numen percebe-se como orgé ou ira, e é traduzida mediante<br />

expressões como vida, paixão, essência afetiva, vonta<strong>de</strong>, força, movimento, agitação,<br />

impulso. Subjaz tal sentimento à experiência mística do amor divino que consome. "O amor –<br />

frisa um místico citado por Rudolf Otto – não é mais do que ira extinta".<br />

Em relação aos três sentimentos <strong>de</strong>spertados pelo numen, os gregos criaram a<br />

palavra eusebeia, que traduzia “a relação <strong>de</strong> emoção e <strong>de</strong> servidão face ao divino”.<br />

Após caracterizar os sentimentos que acompanham o numinoso, Rudolf Otto<br />

volta-se para o que <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> aspecto fascinante. Observa: o fato mais marcante, da<br />

história da religião, é o contraste que se estabelece, na vivência do numinoso, entre os<br />

sentimentos <strong>de</strong> terror e <strong>de</strong> atração. Ao longo <strong>de</strong> todas as épocas, a humanida<strong>de</strong> vivenciou o<br />

mysterium tremendum, suspensa entre os sentimentos contraditórios do retraimento perante o<br />

“absolutamente heterogêneo” e <strong>de</strong> atração fascinante perante uma realida<strong>de</strong> plena,<br />

majestática, maravilhosa. Otto explica assim a contradição existente entre esses dois<br />

sentimentos: “(...) Na mesma medida que o objeto divino-<strong>de</strong>moníaco possa aparecer no<br />

horroroso e refreador do ânimo, apresenta-se igualmente como sedutor e atrativo. E a mesma<br />

criatura que treme diante <strong>de</strong>le em humílimo <strong>de</strong>smaio, sente ao mesmo tempo o impulso a se<br />

unir a ele e a <strong>de</strong>le se apropriar <strong>de</strong> alguma forma. O mistério não é só maravilhoso para ele,<br />

mas também admirável; <strong>de</strong> sorte que, ao efeito do numen que perturba e transtorna os<br />

sentidos, junta-se o efeito dionisíaco que embarga os sentidos, arrebata, enfeitiça e amiú<strong>de</strong><br />

exalta até a vertigem e a embriaguez”.<br />

No cerne <strong>de</strong>ssa atração que o numen exerce sobre o espírito humano, situa-se toda<br />

a trajetória da mística. Busca-se, num processo <strong>de</strong> ascese, chegar até o mistério, apropriar se<br />

<strong>de</strong>le. É o interesse no numen por ele mesmo. A bem-aventurança é a vivência <strong>de</strong>sse fundir-se<br />

com o numen <strong>de</strong>sejado. Dois procedimentos <strong>de</strong> apropriação do numen po<strong>de</strong>m ser<br />

i<strong>de</strong>ntificados: a fusão do próprio homem religioso com o numen, através <strong>de</strong> atos mágicoculturais<br />

(fórmulas, bênçãos, conjuros, consagrações sortilégios) ou as práticas chamativas<br />

mediante as quais o homem “se apropria do numen, o faz morar no seu interior e se expan<strong>de</strong> e<br />

enche <strong>de</strong>le na exaltação e no êxtase".<br />

O efeito produzido no ânimo por essa comunhão com o numen é inexprimível em<br />

palavras. “O que olho nenhum viu, o que ouvido nenhum ouviu, o que corpo humano nenhum<br />

sentiu”: as palavras <strong>de</strong> São Paulo traduzem admiravelmente essa realida<strong>de</strong>. Esse caráter<br />

inexprimível da vivência da comunhão com o numen aparece também, na literatura mística,<br />

nos relatos das conversões.<br />

Nessa altura muda <strong>de</strong> plano e passa à seguinte indagação: Como se dá que o<br />

sentimento religioso emerge ao espírito, ou melhor, como nos damos conta <strong>de</strong>le?<br />

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