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Tratado de Ética - Instituto de Humanidades

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impulso <strong>de</strong> outra tendência; porque, em tal caso, é fácil distinguir se a ação conforme com o<br />

<strong>de</strong>ver foi realizada por <strong>de</strong>ver ou por cálculo interesseiro. Muito mais difícil é notar esta<br />

distinção, quando, sendo a ação conforme com o <strong>de</strong>ver, o sujeito sente para com ela uma<br />

inclinação imediata. Por exemplo, é manifestamente conforme com o <strong>de</strong>ver que o<br />

comerciante não peça um preço <strong>de</strong>masiado elevado a um comprador inexperiente, e, mesmo<br />

quando o comércio é intenso, o comerciante hábil não proce<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse modo; mantém, pelo<br />

contrário, um preço fixo igual para todos, <strong>de</strong> sorte que uma criança lhe po<strong>de</strong> comprar uma<br />

coisa pelo mesmo preço que qualquer outro cliente. As pessoas são pois servidas lealmente;<br />

mas isso não basta para crer que o negociante proce<strong>de</strong>u assim por <strong>de</strong>ver ou por princípios <strong>de</strong><br />

probida<strong>de</strong>; movia-o o interesse; e não se po<strong>de</strong> supor neste caso que ele tivesse, além disso,<br />

uma inclinação imediata para com seus clientes, que o induzisse a fazer, por amor, preços<br />

mais convenientes a um do que a outro. Eis aí uma ação cumprida, não por <strong>de</strong>ver, nem por<br />

inclinação imediata, mas tão somente por cálculo interesseiro.<br />

Pelo contrário, conservar a própria vida é um <strong>de</strong>ver, e é, além disso, uma coisa<br />

para a qual todos sentimos inclinação imediata. Justamente por isso a solicitu<strong>de</strong> muitas vezes<br />

angustiante que a maior parte dos homens <strong>de</strong>monstra pela vida é <strong>de</strong>stituída <strong>de</strong> todo valor<br />

intrínseco, e a máxima, que exprime tal solicitu<strong>de</strong>, não tem nenhum valor moral. De fato, eles<br />

conservam a vida conformemente ao <strong>de</strong>ver, mas não por <strong>de</strong>ver. Ao invés, se contrarieda<strong>de</strong>s ou<br />

uma dor sem esperança tiraram a um homem todo o prazer da vida, se o infeliz, <strong>de</strong> ânimo<br />

forte, se sente mais enojado <strong>de</strong> sua sorte que <strong>de</strong>scoroçoado ou abatido, se <strong>de</strong>seja a morte, e, no<br />

entanto conserva a vida sem a amar, não por inclinação ou temor, mas por <strong>de</strong>ver, então sua<br />

máxima comporta valor moral." (4)<br />

Para Kant, uma ação cumprida por <strong>de</strong>ver tira seu valor moral não do fim que por<br />

ela <strong>de</strong>va ser alcançado mas da máxima que a <strong>de</strong>termina. Distingue máxima <strong>de</strong> lei, enten<strong>de</strong>ndo<br />

pela primeira o princípio subjetivo (a representação da lei), enquanto a segunda serviria<br />

também <strong>de</strong> princípio prático se a razão tivesse plenos po<strong>de</strong>res sobre a ação.<br />

O valor moral da ação não resi<strong>de</strong> no efeito que <strong>de</strong>la se espera mas da obediência a<br />

um princípio geral que formula <strong>de</strong>ste modo: que eu possa também querer que minha máxima<br />

se torne lei universal.<br />

Vejamos o exemplo com que procura elucidar a tese:<br />

"Tomemos, por exemplo, a questão seguinte: ser-me-á lícito, em meio <strong>de</strong> graves<br />

apuros, fazer uma promessa com intenção <strong>de</strong> a não observar? Não oferece dificulda<strong>de</strong><br />

distinguir os dois sentidos que a questão po<strong>de</strong> comportar, consoante se <strong>de</strong>seja saber se é<br />

pru<strong>de</strong>nte, ou se é conforme ao <strong>de</strong>ver, fazer uma promessa falsa. Sem dúvida que muitas vezes<br />

po<strong>de</strong> ser pru<strong>de</strong>nte; mas é claro que não basta safar-me, mercê <strong>de</strong>ste expediente, <strong>de</strong> um<br />

embaraço presente; <strong>de</strong>vo ainda examinar com cuidado se <strong>de</strong>ssa mentira não me redundarão,<br />

no futuro, aborrecimentos muito mais graves do que aqueles <strong>de</strong> que me liberto neste<br />

momento; e como, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> toda minha sagacida<strong>de</strong>, não são fáceis <strong>de</strong> prever as<br />

conseqüências <strong>de</strong> meu ato, <strong>de</strong>vo recear que a perda <strong>de</strong> confiança por parte <strong>de</strong> outrem me<br />

acarrete maiores prejuízos que todo o mal que neste momento penso evitar. Agirei pois mais<br />

sensatamente, portando-me, nesta ocorrência, em conformida<strong>de</strong> com uma máxima universal e<br />

procurando criar o hábito <strong>de</strong> nada prometer sem intenção <strong>de</strong> cumprir. Mas <strong>de</strong>pressa se me<br />

afigura evi<strong>de</strong>nte que tal máxima estriba sempre no temor das conseqüências. Ora, uma coisa é<br />

ser sincero por <strong>de</strong>ver, e outra coisa ser sincero por temor das conseqüências <strong>de</strong>sagradáveis: no<br />

(4) Edição cit., p. 255-256.<br />

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