Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
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Permito-me transcrever adiante as consi<strong>de</strong>rações que, a respeito, inseri na História<br />
das Idéias Filosóficas no Brasil (4ª ed., Convívio, págs. 22-24):<br />
Na Antigüida<strong>de</strong>, conforme assinala Reale, "nunca se chegou a reconhecer<br />
inequivocamente o homem como pessoa, embora conjunturas políticas e econômicas já<br />
esboçassem tal reconhecimento no sistema <strong>de</strong> jus gentium ou em certos institutos jurídicos<br />
particulares". Além <strong>de</strong>sses rudimentos <strong>de</strong> consciência jurídica da personalida<strong>de</strong>, existente<br />
entre os romanos, através <strong>de</strong> or<strong>de</strong>namento das relações entre pessoas não integradas na<br />
comunida<strong>de</strong>, regidas pelo jus civile, <strong>de</strong> que fala Reale, a posição <strong>de</strong> Antígona, na peça <strong>de</strong><br />
Sófocles, insinua a existência <strong>de</strong> um direito da pessoa, acima do da cida<strong>de</strong>, posição<br />
extremamente valorizada por Hegel, do mesmo modo que a do estoicismo. Contudo,<br />
prevalece o primado da categoria <strong>de</strong> cidadão sobre a <strong>de</strong> pessoa. Aristóteles resume a tese nos<br />
seguintes termos: "É evi<strong>de</strong>nte pois que a cida<strong>de</strong> faz parte das coisas da natureza, que o<br />
homem é por sua natureza um animal político, <strong>de</strong>stinado a viver em socieda<strong>de</strong>..." ("Liberda<strong>de</strong><br />
antiga e liberda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna", in Horizontes do Direito e da História, São Paulo, Saraiva,<br />
1959, pág. 39). Coube ao cristianismo colocar a humanitas como dignificante em si mesma,<br />
acima da cidadania e da nacionalida<strong>de</strong>.<br />
É certo que na idéia <strong>de</strong> humanida<strong>de</strong> posta em circulação pelos estóicos<br />
encontram-se em germe aquelas noções relacionadas à pessoa humana que o cristianismo iria<br />
<strong>de</strong>senvolver. Assim, segundo Plutarco, Zenon teria escrito "uma República muito admirada<br />
cujo princípio é: que os homens não <strong>de</strong>vem separar-se em cida<strong>de</strong>s e povos que tenham leis<br />
particulares, porque todos os homens são concidadãos, já que há para eles um único caminho<br />
e uma única or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> coisas (cosmos), como para um rebanho unido sob a regra <strong>de</strong> uma lei<br />
comum". Contudo, somente na Ida<strong>de</strong> Média essa problemática ganharia corpo. Gilson chega<br />
mesmo a advertir que é na antropologia on<strong>de</strong> as distinções entre pensamento grego e medieval<br />
se estabelecem <strong>de</strong> forma mais acentuada: "Aqui, talvez mais que em qualquer outro tema, as<br />
diferenças se dissimulam sobre a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> das terminologias e é necessário examiná-las <strong>de</strong><br />
perto para discerni-las." (L'esprit <strong>de</strong> la Philosophie Médiévale, Paris, Vrin, 2ª ed., 1948, pág.<br />
175).<br />
A problemática do homem na filosofia cristã envolve gama variada <strong>de</strong> temas<br />
(corpo, alma, amor, obrigação moral etc.). A questão-chave correspon<strong>de</strong> entretanto ao<br />
conceito <strong>de</strong> livre arbítrio, porquanto as <strong>de</strong>mais notas sugerem pouco mais que o<br />
comportamento social recomendado ao cristão. A meditação em torno do livre arbítrio, em<br />
contrapartida, além <strong>de</strong> explicitar a verda<strong>de</strong>ira dimensão metafísica do tema, consiste<br />
precisamente no elemento apto a propiciar o estabelecimento <strong>de</strong> uma visão pessimista da<br />
pessoa humana, em certos momentos <strong>de</strong> sua evolução histórica, em particular na Segunda<br />
Escolástica Portuguesa.<br />
Aristóteles elaborou com acuida<strong>de</strong> as relações entre o apetite abordado no nível<br />
animal e a consi<strong>de</strong>ração da componente racional. Enten<strong>de</strong> que o <strong>de</strong>sejo comporta certas<br />
gradações. O gênero (orezis) constituir-se-ia <strong>de</strong> espécies: o <strong>de</strong>sejo cego, o apetite irracional; o<br />
impulso que <strong>de</strong>sconhece a razão por sua impetuosida<strong>de</strong> mas a ela se conformando <strong>de</strong> certa<br />
forma (coragem); e o <strong>de</strong>sejo voluntário (racional). Essa última espécie distinguir-se-ia da<br />
vonta<strong>de</strong> que, além do objeto visado (<strong>de</strong>sejo racional), fixaria os meios para a sua consecução<br />
e, entre estes, efetivaria uma escolha. Embora tendo contribuído com essa noção básica, falta<br />
na obra <strong>de</strong> Aristóteles o conceito mesmo <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>. A idéia somente apareceria através da<br />
conceituação do livre arbítrio.<br />
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