Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
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consi<strong>de</strong>rarmos, dizia, e olharmos para estas coisas <strong>de</strong> outro ponto <strong>de</strong> vista, encontraremos que<br />
o trabalho dos pobres não é <strong>de</strong> modo algum um castigo ou uma imposição para eles: ter<br />
emprego é uma bênção que eles pe<strong>de</strong>m aos céus em suas preces; assim sendo, assegurar<br />
trabalho para a maioria <strong>de</strong>les é a gran<strong>de</strong> preocupação <strong>de</strong> toda legislação.”<br />
Man<strong>de</strong>ville é verda<strong>de</strong>iramente implacável nas suas conclusões, como no exemplo<br />
<strong>de</strong> que as próprias calamida<strong>de</strong>s resultam num bem social. Assim, o incêndio <strong>de</strong> Londres foi<br />
uma tragédia, "mas se os pedreiros, os carpinteiros, os ferreiros e tantos outros, não só os<br />
empregados na construção, mas também aqueles que produzem as mesmas mercadorias e<br />
também outras que pegaram fogo, e os <strong>de</strong>mais negócios que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong>les quando<br />
empregados, se manifestassem sobre o que se per<strong>de</strong>u no fogo, o júbilo seria igual ou superior<br />
ao constrangimento”.<br />
Afirma altivamente que se "orgulha <strong>de</strong> ter <strong>de</strong>monstrado que as belas qualida<strong>de</strong>s e<br />
as afeições naturais do homem, as virtu<strong>de</strong>s reais que é capaz <strong>de</strong> adquirir mediante o raciocínio<br />
e o sacrifício, não são a base da socieda<strong>de</strong>; na verda<strong>de</strong>, o que chamamos <strong>de</strong> mal moral e<br />
natural constitui o gran<strong>de</strong> princípio que nos torna criaturas sociáveis, a base sólida, a vida e a<br />
sustentação <strong>de</strong> todos os negócios e ocupações, sem exceção. É no mal que <strong>de</strong>vemos buscar a<br />
verda<strong>de</strong>ira origem das artes e das ciências; no momento em que o mal <strong>de</strong>saparecer, a<br />
socieda<strong>de</strong> se <strong>de</strong>teriorará e talvez se dissolva completamente”.<br />
Mais tar<strong>de</strong>, nas edições posteriores <strong>de</strong> A fábula das abelhas, Man<strong>de</strong>ville buscaria<br />
<strong>de</strong>senvolver essa crítica a Shafsterbury, nos seis ensaios em forma <strong>de</strong> diálogo que inseriu no<br />
volume segundo. No prefácio, faz questão <strong>de</strong> precisar que um dos personagens do diálogo<br />
representa o seu ponto <strong>de</strong> vista enquanto o outro "encontra gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>leite na maneira cortês e<br />
na forma <strong>de</strong> escrever <strong>de</strong> lord Shafsterbury". Na última parte <strong>de</strong>sse segundo volume volta a<br />
consi<strong>de</strong>rar as idéias apresentadas em "A Search into the Nature of Society" e volta a criticar<br />
Shafsterbury. Contudo, o essencial <strong>de</strong> sua posição encontra-se naquele ensaio, antes resumido.<br />
Man<strong>de</strong>ville inclui-se entre os primeiros pensadores mo<strong>de</strong>rnos que valorizaram a<br />
divisão do trabalho, que se vinha fixando em sucessivas gerações. Desse longo processo <strong>de</strong><br />
especialização é que resultou o <strong>de</strong>senvolvimento material. E para este contribuíram<br />
preferentemente, segundo crê, os homens vinculados ao comércio e à navegação. A<br />
experiência histórica comprovava que as virtu<strong>de</strong>s cultuadas por esses homens eram as únicas<br />
capazes <strong>de</strong> trazer prosperida<strong>de</strong>. Em contrapartida, os pontos <strong>de</strong> vista expressos por<br />
Shafsterbury provinham <strong>de</strong> um grupo social a que <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> Beau Mon<strong>de</strong>, que equivaleria<br />
à aristocracia. No fundo, trata-se simplesmente da maneira como percebem a si mesmos ou<br />
<strong>de</strong>sejariam que os outros os percebessem. A partir <strong>de</strong>sse entendimento, chega, conforme<br />
acentua Thomas Horne, a classificar os moralistas em dois gran<strong>de</strong>s grupos. Os primeiros,<br />
entre os quais arrola Shafsterbury e os reformadores sociais em geral, "não aceitam a<br />
inevitabilida<strong>de</strong> do egoísmo, o caráter natural do amor próprio instintivo, e ensinam que a<br />
socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da recusa da vaida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> outras paixões. Em Shafsterbury, <strong>de</strong> acordo com<br />
Man<strong>de</strong>ville, o homem encontra-se iludido pela suposição <strong>de</strong> que a socieda<strong>de</strong> correspon<strong>de</strong> ao<br />
<strong>de</strong>sdobramento do altruísmo natural. ... por outro lado, os moralistas retratados por<br />
Man<strong>de</strong>ville em sua antropologia especulativa ... e o próprio Man<strong>de</strong>ville enten<strong>de</strong>m que as<br />
paixões não po<strong>de</strong>m ser vencidas. ... Ao invés da tentativa <strong>de</strong> convencer os homens a<br />
renunciarem à sua vaida<strong>de</strong>, usam-na do mesmo modo que o seu interesse próprio para<br />
civilizar a humanida<strong>de</strong>". (6)<br />
(6) Obra citada, p. 50.<br />
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