Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
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instrumento conceitual que serve para realçar a beatitu<strong>de</strong> evangélica: a idéia <strong>de</strong> que a<br />
felicida<strong>de</strong> é fim e que o fim é o princípio <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> moral. Mas, para po<strong>de</strong>r utilizá-los na<br />
teologia moral, São Tomás teve que submeter essas idéias a uma transformação tão profunda,<br />
que correspon<strong>de</strong>m ao contrário do que eram, além <strong>de</strong> palavras, o essencial do pensamento <strong>de</strong><br />
Aristóteles. O fim moral, que é para Aristóteles realida<strong>de</strong> essencialmente contingente, pois<br />
que é ação do homem, é para S. Tomás a realida<strong>de</strong> menos contingente que possa ser, pois ela<br />
é o próprio Deus, não o Deus-objeto dos filósofos, mas o Deus-Pessoa, dos cristãos: o fim do<br />
homem não se encontra numa ação do homem, nem mesmo na ação, qualquer que seja, pela<br />
qual se une a Deus, ela se acha numa Pessoa que é mais ele mesmo que o próprio e no qual se<br />
encontra. Eis a primeira palavra da teologia moral <strong>de</strong> S. Tomás, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> esta primeira palavra<br />
a filosofia moral <strong>de</strong> Aristóteles é negada. A partir daí S. Tomás podia guardar-lhe as palavras,<br />
as fórmulas, jamais o espírito." (5)<br />
De sorte que, embora se haja tornado usual traduzir phronesis por contemplação<br />
(Livro X, capítulos 7 e 8), cumpre ter presente que se trata, na visão <strong>de</strong> Aristóteles, <strong>de</strong> uma<br />
ativida<strong>de</strong> interior do homem virtuoso, orientadora <strong>de</strong> sua vida em socieda<strong>de</strong>, ativida<strong>de</strong> que<br />
po<strong>de</strong> mesmo ser chamada <strong>de</strong> "divina" por sua majesta<strong>de</strong> e magnitu<strong>de</strong>, mas que, nos marcos da<br />
sua análise, não tem em vista recomendar-se à vista eterna.<br />
1.2 – A interpretação escolástica<br />
a) A representativida<strong>de</strong> dos Conimbricences<br />
Seria um erro grosseiro ignorar a ampla diversida<strong>de</strong> que se abriga sob a<br />
<strong>de</strong>nominação Escolástica, porquanto se trata <strong>de</strong> movimento que abrange vários séculos e<br />
sofreu influxo do pensamento árabe e judaico. Para circunscrever o objeto que se tem em<br />
vista, vamos nos valer da advertência <strong>de</strong> Ferrater Mora ao enten<strong>de</strong>r que <strong>de</strong>va o emprego do<br />
termo limitar-se à Escolástica Cristã, reconhecendo-se simultaneamente que em seu seio<br />
aparecem diversas vertentes. Em relação à interpretação da doutrina moral <strong>de</strong> Aristóteles, o<br />
aspecto consi<strong>de</strong>rado é menos dramático. Tomada a inflexão que São Tomás introduz naquele<br />
movimento, ao conciliar Aristóteles com os dogmas cristãos, não há propriamente maiores<br />
divergências na escolha dos temas extraídos em geral da <strong>Ética</strong> a Nicômaco.<br />
Além disto, nosso propósito não consiste em registrar os percalços<br />
experimentados pela ética aristotélica na Ida<strong>de</strong> Média, mas apenas focalizar a maneira<br />
presumível como a Época Mo<strong>de</strong>rna a recebeu.<br />
Neste sentido, o mo<strong>de</strong>lo preferível <strong>de</strong>ve ser o do Curso Conimbricence. Não<br />
apenas porque foi a forma pela qual penetrou nos países que se tornaram protestantes,<br />
justamente on<strong>de</strong> se inicia a discussão ora focalizada – bastando indicar a esse propósito que os<br />
manuais integrantes do Curso eram utilizados pelo preceptor <strong>de</strong> Leibniz, em fins do século<br />
XVII – como <strong>de</strong> certa forma é aos escolásticos portugueses e espanhóis que se <strong>de</strong>ve a<br />
sobrevivência da Escolástica nos primórdios do mundo mo<strong>de</strong>rno. Precisamente para <strong>de</strong>stacar<br />
tal singularida<strong>de</strong> é que se cunhou a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> Segunda Escolástica – <strong>de</strong>vida a Carlos<br />
Giacon, autor do livro La Seconda Scolastica (Milão, 1946), popularizada entre nós por<br />
Joaquim <strong>de</strong> Carvalho (1892/1958).<br />
(5) Introduction cir., vol. cit., p. 275-276.<br />
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