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Tratado de Ética - Instituto de Humanidades

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"Numa tal hipótese, o gran<strong>de</strong> problema humano encontrar-se-á espontaneamente<br />

resolvido, em conformida<strong>de</strong> com a predileção natural que nos inspirará livremente a síntese<br />

altruísta. Ainda que nossa constituição cerebral atribua uma gran<strong>de</strong> prepon<strong>de</strong>rância aos<br />

instintos pessoais, sua dominação efetiva <strong>de</strong>ve-se sobretudo à excitação contínua que recebe<br />

do conjunto das necessida<strong>de</strong>s físicas. Privado <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> estímulo será facilmente contido<br />

pelos antagonismos individuais resultantes dos diversos contatos sociais. O curso natural das<br />

relações humanas levará cada um a <strong>de</strong>senvolver <strong>de</strong> preferência suas tendências que<br />

comportam, quase sem limites, sucesso verda<strong>de</strong>iramente universal. Assim surgirá livremente<br />

a aptidão, característica dos instintos simpáticos, a compensar, por um vasto exercício<br />

habitual, sua fraca energia natural. O encanto que lhe é próprio fará com que em breve<br />

prevaleçam sobre as tendências cuja superiorida<strong>de</strong> orgânica será então combatida por sua<br />

inércia cotidiana. Segundo a teoria biológica da hereditarieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ve-se mesmo admitir que,<br />

numa tal socieda<strong>de</strong>, algumas gerações serão suficientes para modificar realmente a<br />

constituição cerebral, aumentando ou diminuindo a massa dos órgãos que serão assim<br />

exercitados ou entorpecidos.<br />

É necessário consi<strong>de</strong>rar agora o que ocorrerá com nossa existência intelectual. Vêse<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo que nossas especulações práticas <strong>de</strong>senvolver-se-ão muito pouco, pois seu<br />

principal estímulo resulta das necessida<strong>de</strong>s corporais. Por isto mesmo, a cultura científica<br />

propriamente dita per<strong>de</strong>rá também sua <strong>de</strong>stinação essencial, consistente em iluminar a<br />

ativida<strong>de</strong> industrial. Quanto aos instintos teóricos que nos levam diretamente a buscar a<br />

explicação dos fenômenos, são naturalmente muito mais frágeis para inspirar então esforços<br />

verda<strong>de</strong>iramente continuados. Numa situação em que o meio não lhes imprima nenhuma forte<br />

excitação prática, seja pessoal seja simpática, fatigar-se-ão <strong>de</strong> seu exercício estéril,<br />

contentando-se em esboçar construções mais fáceis, segundo analogias mais simples. Nossa<br />

inteligência, então, seguirá sua predileção natural pelos trabalhos estéticos, que mais lhe<br />

convêm que os trabalhos científicos ou mesmo técnicos. Suas funções voltadas para a<br />

concepção achar-se-ão assim subordinadas essencialmente à função <strong>de</strong> expressão, cuja<br />

prepon<strong>de</strong>rância espontânea manifesta-se sob tantas formas, graças à sua relação direta com a<br />

sociabilida<strong>de</strong>. ...<br />

Para completar essa análise da hipótese preliminar, resta caracterizar a ativida<strong>de</strong><br />

correspon<strong>de</strong>nte. Sendo nossa existência prática relativa principalmente às nossas necessida<strong>de</strong>s<br />

materiais, concebe-se que, numa tal socieda<strong>de</strong>, sua intensida<strong>de</strong> e mesmo sua natureza acharse-ão<br />

profundamente modificadas. ... Numa palavra, os atos se transformarão essencialmente<br />

em jogo que, em lugar <strong>de</strong> preparação à existência prática, constituirão puros meios <strong>de</strong><br />

expressão e expansão. Essa transformação será sensível sobretudo em relação à ativida<strong>de</strong><br />

coletiva que, não mais sendo absorvida pelos empreendimentos exteriores, aplicar-se-ão às<br />

festas <strong>de</strong>stinadas a manifestar e <strong>de</strong>senvolver as afeições comuns. O caráter estético<br />

prevalecerá espontaneamente na existência prática, como na existência teórica. Percebe-se<br />

assim como a arte convém melhor à nossa natureza que a ciência e mesmo a indústria, em<br />

<strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> sua relação mais direta e mais pura com as emoções que nos animam. Não<br />

exerceremos então outra indústria além do aperfeiçoamento <strong>de</strong> nossos meios especiais <strong>de</strong><br />

expressão afetiva, como não cultivaremos outra ciência afora a "jovial ciência" ingenuamente<br />

preferida por nossos avós cavalheirescos.<br />

A esta constituição individual correspon<strong>de</strong>rá existência coletiva semelhante, seja<br />

doméstica seja mesmo política, on<strong>de</strong> os instintos simpáticos dominarão livremente. Sua<br />

prepon<strong>de</strong>rância será então marcada sobretudo por um <strong>de</strong>senvolvimento mais completo da vida<br />

em família e menor sucesso da vida em socieda<strong>de</strong>.<br />

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