Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
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órficas, na Grécia Antiga, observa-se semelhança muito gran<strong>de</strong> entre essa espécie <strong>de</strong><br />
mandamentos, segundo se po<strong>de</strong> ver no relato <strong>de</strong> Diógenes Laercio (Vida e doutrina dos<br />
gran<strong>de</strong>s filósofos da Antigüida<strong>de</strong>, tradução espanhola, Buenos Aires, Ed. Claridad, 1947), e<br />
na obra dos comentaristas. Na escola pitagórica ensinava-se que nada era mais venerável que<br />
a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pai. Indica-se que Homero chamou Júpiter <strong>de</strong> Rei dos Deuses. Mas para<br />
mostrar toda a sua gran<strong>de</strong>za <strong>de</strong>nominou-o <strong>de</strong> pai dos <strong>de</strong>uses e dos homens. A mãe era<br />
comparada à natureza generosa e benfeitora, indicando que assim como Cibele produz os<br />
astros e Demeter gera os frutos e as flores da terra, assim a mãe alimenta os filhos com toda<br />
alegria. Os iniciados eram instados a honrar seu pai e sua mãe como representantes terrestres<br />
das gran<strong>de</strong>s divinda<strong>de</strong>s. Dizia-se, mais, que os pais não são dados por casualida<strong>de</strong>, como se<br />
supõe vulgarmente, mas por uma or<strong>de</strong>m superior chamada fortuna e necessida<strong>de</strong>.<br />
O mandamento relativo à castida<strong>de</strong> parece achar-se vinculado a uma outra<br />
tradição, simultânea à da exaltação da família em muitas culturas, que é a <strong>de</strong> nutrir<br />
<strong>de</strong>sconfiança tanto em relação ao sexo como à mulher. Na seita pitagórica, para ficar no<br />
mesmo exemplo, acreditava-se nas virtu<strong>de</strong>s da mulher iniciada mas se <strong>de</strong>sconfiava da "mulher<br />
natural". Diz-se que tendo um discípulo perguntado quando lhe seria permitido aproximar-se<br />
<strong>de</strong> mulher, Pitágoras teria respondido: "Quando estiveres cansado do teu repouso". Parece<br />
entretanto que se estabelecia uma nítida distinção entre os iniciados e a comunida<strong>de</strong>.<br />
Embora não esteja diretamente relacionado ao ensinamento pitagórico, vale<br />
transcrever entendimento diverso da questão vigente na mesma época:<br />
"Sua mãe (<strong>de</strong> Pitágoras), Teano, <strong>de</strong>ixou algumas obras. Diz-se que é sua a<br />
seguinte questão: 'Quanto tempo é preciso para que uma mulher seja pura <strong>de</strong>pois da<br />
coabitação?' A que respon<strong>de</strong> assim: ‘Com o marido, imediatamente; com um estranho,<br />
jamais’. Dizia a uma jovem, no momento preciso em que ia unir-se a seu marido, que <strong>de</strong>via<br />
<strong>de</strong>spojar-se <strong>de</strong> sua modéstia ao mesmo tempo que <strong>de</strong> suas vestes e voltar a tomá-las, ao sair<br />
do leito. `Que modéstia?', disse-lhe alguém. 'A que é nota distintiva <strong>de</strong> nosso sexo',<br />
respon<strong>de</strong>u." (Diógenes <strong>de</strong> Laercio, op. cit., trad. cit., pág. 298).<br />
Do que prece<strong>de</strong>, parece lícito supor que o entendimento do sexo como algo <strong>de</strong><br />
pecaminoso não coexistiu, em todas as circunstâncias e culturas, com o amadurecimento da<br />
consciência <strong>de</strong> que a sobrevivência da espécie humana requeria uma instituição, do tipo da<br />
família, e que esta não sobreviveria em meio à promiscuida<strong>de</strong>, impondo-se a observância <strong>de</strong><br />
regras e normas que acabaram assumindo a feição do que <strong>de</strong>nominamos <strong>de</strong> moral.<br />
A par dos mandamentos expressamente religiosos (1° e 2°), dos que se referem à<br />
família e à moral sexual (4°, 6° e 9°), sobressaem aqueles relacionados diretamente à<br />
proprieda<strong>de</strong>: 7° – Não furtar e 10° – Não cobiçar as coisas alheias.<br />
É discutível se a existência da proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>va ser entendida como pré-requisito<br />
da moralida<strong>de</strong>, a exemplo do que se admite ocorrer no que tange à con<strong>de</strong>nação da<br />
promiscuida<strong>de</strong>. Pitágoras, cuja seita é apontada como exemplo clássico <strong>de</strong> moralida<strong>de</strong>, "foi o<br />
primeiro, segundo refere Timeo, a dizer que tudo <strong>de</strong>ve ser comum entre os amigos e que a<br />
amiza<strong>de</strong> é a igualda<strong>de</strong>; seus discípulos reuniam todos os seus bens para <strong>de</strong>sfrutá-los em<br />
comum" (Diógenes Laercio, op. cit., pág. 288). Entre as máximas pitagóricas figura esta:<br />
"Nada terás em proprieda<strong>de</strong>".<br />
Assim, a admissão da proprieda<strong>de</strong> é uma componente da tradição judaico-cristã<br />
que não precisaria obrigatoriamente ser preceituada, se se partisse exclusivamente <strong>de</strong><br />
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