Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Sublinha ainda Bréhier: "A dialética negativa <strong>de</strong> Bayle origina, portanto, a<br />
tolerância, que coloca a convicção religiosa ao abrigo e à margem das disputas humanas; mas<br />
tem como contrapartida positiva (o que principalmente lhe dá significação) uma concepção da<br />
natureza humana concreta, histórica e não referida a qualquer termo transcen<strong>de</strong>nte." (3)<br />
O conhecimento <strong>de</strong>ssa natureza humana através da história (4) – e critica<br />
abertamente aqueles que, em seu tempo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nham a investigação histórica'' – mostra que os<br />
bons costumes po<strong>de</strong>m encontrar-se entre os ateus enquanto que as pessoas crentes não estão<br />
livres <strong>de</strong> serem criminosas. Exaltando o significado <strong>de</strong>ssa notável contribuição, escreve Paul<br />
Hazard: "Estabelecidas a prova e a contraprova, Bayle chega ao termo <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>monstração:<br />
religião, moralida<strong>de</strong>, longe <strong>de</strong> serem indissolúveis, são in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes; po<strong>de</strong>-se ser religioso<br />
sem ser moral; po<strong>de</strong>-se ser moral sem ser religioso. Um ateu que vive virtuosamente não é um<br />
monstro que suplanta as forças da natureza. (5)<br />
b) O impacto causado na Inglaterra pelos moralistas franceses<br />
A obra <strong>de</strong> Bayle encontrou ampla repercussão na Inglaterra. O país vivia um<br />
quadro muito propício para acolher o tipo <strong>de</strong> proposição que apresentava.<br />
De um lado, o ano da revogação do Edito <strong>de</strong> Nantes (1685) coinci<strong>de</strong> com a<br />
ascensão ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Jaime II, católico confesso, reacen<strong>de</strong>ndo a luta religiosa em que se vivia<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos <strong>de</strong> Carlos I (reinou entre 1625 e 1649). Este levou o país à guerra civil, que<br />
trouxe como conseqüência sua con<strong>de</strong>nação à morte e execução, bem como o fim da<br />
monarquia. Seguiu-se, entre 1653 e 1658, o governo <strong>de</strong> Oliver Cromwell, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> cuja<br />
morte restaurou-se a monarquia, com Carlos II (reinado <strong>de</strong> 1660 a 1685)). A li<strong>de</strong>rança liberal<br />
vive longos períodos <strong>de</strong> exílio na Holanda a começar da principal figura <strong>de</strong>sse grupo,<br />
Anthony Ashley Cooper, lor<strong>de</strong> Shafsterbury (1621/1683), <strong>de</strong> quem John Locke (1632/1704)<br />
era assessor –, a exemplo do que ocorrera com Bayle e gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> protestantes<br />
franceses. O ciclo consi<strong>de</strong>rado da história política inglesa encerra-se com a Revolução<br />
Gloriosa <strong>de</strong> 1688, que assegura o po<strong>de</strong>r ao Parlamento e veta aos católicos o acesso ao trono.<br />
A tolerância religiosa era portanto uma questão muito can<strong>de</strong>nte, como veremos<br />
mais <strong>de</strong>tidamente logo adiante.<br />
De outro lado, o país tinha uma tradição <strong>de</strong> encarar a natureza humana do ângulo<br />
negativo, não apenas no plano da pregação protestante mas como meditação teórica<br />
autônoma, que ganha forma acabada na obra <strong>de</strong> Thomas Hobbes (1588/1679). Para Hobbes,<br />
os homens são movidos pela competição, a <strong>de</strong>sconfiança e o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> glória. No estado <strong>de</strong><br />
natureza viviam uma situação <strong>de</strong> guerra <strong>de</strong> todos contra todos. A única solução encontrada<br />
consistiu em firmar um pacto atribuindo toda a força e po<strong>de</strong>r ao soberano. Tornou-se assim<br />
(3) História da Filosofia, trad. espanhola, Buenos Aires, ed. cit., tomo segundo, p. 747.<br />
(4) “... os fatos históricos po<strong>de</strong>m ser conhecidos com certeza perfeita em seu gênero; a<strong>de</strong>mais, o historiador não se<br />
aplica, como o matemático, a seres que não são senão idéias <strong>de</strong> nossa alma, que não po<strong>de</strong>riam existir fora <strong>de</strong><br />
nossa imaginação, senão a realida<strong>de</strong>s muito certas. Os matemáticos – acrescenta Bayle e aqui <strong>de</strong>ve-se pensar em<br />
Leibniz – fazem valer também as gran<strong>de</strong>s idéias da infinitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus, que proporcionam as profundida<strong>de</strong>s<br />
abstratas das matemáticas. Ao que o historiador opõe o conhecimento tão valioso, que suas investigações lhe dão<br />
sobre as fraquezas da razão humana e sobre seus limites”. (Apud Bréhier – História da Filosofia, ed. cit., vol.<br />
cit., p. 472).<br />
(5) La crise <strong>de</strong> la conscience europèene – 1680-1715. Paris, Gallimard, 1961, vol. 2, p. 78.<br />
87