Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
sua hierarquização, incompatíveis entre si e igualmente mobilizadoras, a que <strong>de</strong>nominou,<br />
respectivamente, <strong>de</strong> ética <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> e ética <strong>de</strong> convicção.<br />
Max Scheler coroa essa fase da investigação ao comprovar que os valores não<br />
<strong>de</strong>vem ser confundidos com os bens nos quais se manifestam e os apreen<strong>de</strong>mos. Don<strong>de</strong>, a seu<br />
ver, <strong>de</strong>correria a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fixar uma hierarquia, tendo presente apenas o plano<br />
conceitual. O fato <strong>de</strong> que a tábua <strong>de</strong> valores <strong>de</strong> Scheler, que daria conta daquela possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> hierarquização, haja sido recusada, não invalida o significado da contribuição assinalada<br />
(separação entre bens e valores) nem o caráter obrigatório <strong>de</strong> serem hierarquizados.<br />
Mas se <strong>de</strong>vemos nos ater aos limites da experiência humana, (8) cumpre consi<strong>de</strong>rar<br />
que, no ciclo anterior a Scheler, abriu-se uma outra alternativa, diferente da husserliana<br />
(fenomenológica), a partir <strong>de</strong> Lask, ao sugerir a existência <strong>de</strong> uma esfera <strong>de</strong> objetos referidos<br />
a valores, para distinguí-los dos objetos i<strong>de</strong>ais. Obe<strong>de</strong>cem a uma certa hierarquização, dotada<br />
<strong>de</strong> objetivida<strong>de</strong>, porém, como se acham imbricados no processo histórico-cultural, aquela<br />
hierarquia varia no tempo. Embora a circunstância não obrigue a abdicar do ente <strong>de</strong> razão<br />
<strong>de</strong>nominado <strong>de</strong> "homem universal", este <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser condição para que alcancemos<br />
conhecimentos <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> absoluta, legítima aspiração da filosofia. O fato <strong>de</strong> que os<br />
orientais (9) não adotem o mesmo i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> pessoa humana que é a herança cultural central do<br />
Oci<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Decálogo <strong>de</strong> Moisés e do Sermão da Montanha, <strong>de</strong> modo algum afeta a<br />
valida<strong>de</strong> da cultura oci<strong>de</strong>ntal e muito menos o fato <strong>de</strong> que merece a nossa preferência.<br />
Precisando melhor tais postulados, diria que a tese, <strong>de</strong>vida a Miguel Reale, <strong>de</strong> que<br />
o ser do homem é seu <strong>de</strong>ver ser vale absolutamente, a partir mesmo da abstração <strong>de</strong>nominada<br />
<strong>de</strong> "homem universal". Em seu <strong>de</strong>sdobramento, a tese precisaria ser referida ao i<strong>de</strong>al <strong>de</strong><br />
pessoa humana acalentado pelo Oci<strong>de</strong>nte. É óbvio que a síntese magistral <strong>de</strong> Kant, ao afirmar<br />
que "o homem é um fim em si mesmo e não po<strong>de</strong> ser usado como meio" não é aceita por<br />
todas as culturas. Em que pese a circunstância, vale <strong>de</strong> forma absoluta no contexto da cultura<br />
oci<strong>de</strong>ntal.<br />
Assim, são os valores fundantes da cultura oci<strong>de</strong>ntal que fornecem o conteúdo da<br />
experiência moral. Contudo, como o processo em causa exige mediações, aparece conflito<br />
exigente <strong>de</strong> escolha livre, condição precípua da valida<strong>de</strong> do principio moral, isto é, dignida<strong>de</strong><br />
em si mesmo, prescindindo <strong>de</strong> instâncias repressoras externas.<br />
A primeira das requeridas mediações consiste no ciclo civilizatório.<br />
Miguel Reale <strong>de</strong>fine a civilização como sendo correspon<strong>de</strong>nte a uma particular<br />
hierarquia <strong>de</strong> valores no seio da cultura. A esse propósito, teria oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escrever: "No<br />
<strong>de</strong>senrolar do processo histórico cultural, constituem-se <strong>de</strong>terminadas unida<strong>de</strong>s polivalentes,<br />
correspon<strong>de</strong>ntes a ciclos axiológicos, como que unida<strong>de</strong>s históricas da espécie humana no seu<br />
fluxo existencial, a que chamamos <strong>de</strong> civilizações. A história da cultura não é, pois, unilinear<br />
e progressiva, como se tudo estivesse <strong>de</strong> antemão disposto para gerar aquele tipo <strong>de</strong><br />
(8) Hartmann atribuiu a Scheler posicionamento platônico, vale dizer, admissão da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alcançar as<br />
coisas em si mesmas, hipótese interditada por Kant. Embora haja recusado aquela associação, ao inspirar-se na<br />
fenomenologia aceita a legitimida<strong>de</strong> da intuição intelectual, o que é também uma violação da perspectiva<br />
transcen<strong>de</strong>ntal do ângulo aqui consi<strong>de</strong>rado, isto é, ater-se aos limites da experiência humana.<br />
(9) A famosa tese <strong>de</strong> Huntington quanto á inevitabilida<strong>de</strong> do choque entre civilizações diz respeito, na verda<strong>de</strong>, ao<br />
choque <strong>de</strong> culturas.<br />
185