Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
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do empenho <strong>de</strong> transformar-se <strong>de</strong> pronto numa espécie <strong>de</strong> diretriz governamental. É uma<br />
figura central e sem consi<strong>de</strong>rar suas idéias, e o contexto polêmico em que as elaborou, difícil<br />
se torna situar o papel que o bispo Joseph Butler viria a <strong>de</strong>sempenhar na <strong>de</strong>terminação do<br />
objeto em que ora nos <strong>de</strong>temos.<br />
Man<strong>de</strong>ville é autor <strong>de</strong> extensa bibliografia, embora se haja tornado famoso pelo<br />
livro A fábula das abelhas (1714), que leva o significativo subtítulo <strong>de</strong> "vícios privados,<br />
virtu<strong>de</strong>s públicas". O livro foi refundido e acrescido <strong>de</strong> novos ensaios primeiro em 1723, para,<br />
finalmente, ser publicado em duas partes em 1732. A fábula é a seguinte: havia uma<br />
socieda<strong>de</strong> próspera e feliz, repleta <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong>s públicas produzidas por vícios privados,<br />
quando um dia Júpiter <strong>de</strong>cidiu mudar as coisas e tornar virtuosos a todos os indivíduos. Em<br />
conseqüência disto, <strong>de</strong>sapareceu efetivamente a ambição, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> lucro e <strong>de</strong> luxo, mas ao<br />
mesmo tempo <strong>de</strong>saparecem a indústria e tudo quanto fazia com que a socieda<strong>de</strong> fosse<br />
próspera e feliz. Com essa opinião preten<strong>de</strong> Man<strong>de</strong>ville que a civilização seja, como queriam<br />
os "pessimistas" do tipo <strong>de</strong> Hobbes, resultado dos interesses egoísticos dos homens,<br />
reconhecendo entretanto que a moral atua como freio e restaura o equilíbrio, dando razão<br />
também aos "otimistas" (Shafsterbury, Hutcheson, etc.).<br />
Segundo Thomas A. Horn, estudioso <strong>de</strong> seu pensamento (The Social Tought of<br />
Bernard Man<strong>de</strong>ville, London, Macmillan, 1978), Man<strong>de</strong>ville difundiu na Inglaterra posterior<br />
à Revolução Gloriosa as idéias dos moralistas franceses, em especial no que respeita à<br />
separação entre moral e religião e na indicação <strong>de</strong> que o trânsito da moral individual para o<br />
social não po<strong>de</strong> dar-se <strong>de</strong> forma linear. Segundo enten<strong>de</strong>, as próprias virtu<strong>de</strong>s que à socieda<strong>de</strong><br />
incumbe cultuar são muito diversas e até po<strong>de</strong>m contrapor-se à moral individual tradicional.<br />
Na época em que Man<strong>de</strong>ville fixou residência na Inglaterra, estruturara-se um<br />
movimento <strong>de</strong> cunho moralista, muito atuante e <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> influência. Denominava-se<br />
Socieda<strong>de</strong> para a Reforma dos Costumes e, a partir <strong>de</strong> 1699, publica uma espécie <strong>de</strong> manual<br />
para orientação <strong>de</strong> seus seguidores (A Help to a National Reformation), contendo todas as leis<br />
que puniam atos atentatórios à moral. Esse volume mereceu nada menos que vinte edições até<br />
1721. Nesta última, registra-se que a socieda<strong>de</strong> havia levado aos tribunais cerca <strong>de</strong> duas mil<br />
<strong>de</strong>núncias contra atos imorais no ano anterior. No período prece<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se fundara a<br />
entida<strong>de</strong>, o número <strong>de</strong> tais ações superava 75 mil. Nos anos trinta, a socieda<strong>de</strong> não mais<br />
<strong>de</strong>sfruta do relevo com que contara até então.<br />
A campanha em prol da moralização dos costumes era conduzida <strong>de</strong> forma a fazer<br />
crer que as pessoas não virtuosas eram <strong>de</strong> fato autênticos inimigos do Estado. Assim, um dos<br />
lí<strong>de</strong>res do movimento escrevia em 1701:<br />
"Os negócios públicos <strong>de</strong> uma nação não po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> sofrer certos danos<br />
on<strong>de</strong> a impieda<strong>de</strong> campeia livremente e sem restrições. Se as portas da torrente do pecado<br />
estão abertas, a confusão irromperá no governo como um dilúvio. Os homens que violam sem<br />
controle as normas da religião natural e da moralida<strong>de</strong> farão crescer a ilegalida<strong>de</strong> e o<br />
<strong>de</strong>sgoverno. ... <strong>de</strong>safiarão os melhores governos ... e estão prontos para promover a<br />
insurreição e o tumulto público”. (1)<br />
Em suma, a idéia geral era a <strong>de</strong> que a estabilida<strong>de</strong> política achava-se na<br />
<strong>de</strong>pendência do exercício virtuoso da cidadania. Os mais extremados chegavam mesmo a<br />
afirmar que a imoralida<strong>de</strong> e a dissolução dos costumes vigentes no país atrairiam certamente a<br />
(1) Apud Thomas A. Horne – The social tought of Bernard Man<strong>de</strong>ville, London, Macmillan, 1978, p. 5.<br />
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