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Tratado de Ética - Instituto de Humanidades

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eróticas um homem faça a uma mulher esta confidência: “De início nossas relações eram<br />

somente paixão; agora, constituem um valor”. De acordo com o espírito mo<strong>de</strong>rado e sem<br />

calor da ética kantiana, exprimiríamos a primeira meta<strong>de</strong> da frase na forma seguinte: “De<br />

início não éramos um para o outro senão um meio” e <strong>de</strong>ste modo po<strong>de</strong>ríamos consi<strong>de</strong>rar a<br />

frase inteira como um caso particular do célebre imperativo que chegou a ser curiosamente<br />

apresentado como expressão puramente histórica do “individualismo”, quando em realida<strong>de</strong> é<br />

uma formulação verda<strong>de</strong>iramente genial para caracterizar multitu<strong>de</strong> infinita <strong>de</strong> situações<br />

éticas, e que <strong>de</strong>ve ser entendida corretamente”. (11)<br />

A valida<strong>de</strong> universal daquele princípio <strong>de</strong>corre precisamente do fato <strong>de</strong> que<br />

sintetiza o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> pessoa humana arraigado em toda a tradição cultural do Oci<strong>de</strong>nte.<br />

No que se refere aos outros aspectos da crítica hegeliana, Walsh pon<strong>de</strong>ra que<br />

Hegel tem em vista muito mais uma atitu<strong>de</strong> vital que uma filosofia formal, além do fato <strong>de</strong><br />

que busca sobretudo fixar a própria posição. Contudo a resume com certa simpatia e objeta<br />

mesmo que “a doutrina kantiana que converte a razão prática num elemento divino <strong>de</strong>ntro do<br />

homem e consi<strong>de</strong>ra as paixões como pertencentes à sua natureza animal, equivale a uma<br />

forma <strong>de</strong> dualismo tão objetável como qualquer outro tipo, a exemplo do dualismo <strong>de</strong><br />

Descartes”. Aqui também o autor tangencia o âmago da questão. É evi<strong>de</strong>nte que as paixões<br />

não integram a parte racional do homem e não consiste nesse aspecto o dualismo kantiano<br />

mas no fosso que estabeleceu entre natureza e cultura. Como bem o <strong>de</strong>monstra Miguel Reale,<br />

a questão está em que Kant somente concebia a experiência natural, escapando-lhe a<br />

possibilida<strong>de</strong> da experiência cultural em geral. O culturalismo supera essa dicotomia, o que<br />

está plenamente documentado na obra do próprio Reale, em especial Experiência e Cultura<br />

(São Paulo, 1977).<br />

No fim <strong>de</strong> contas, Walsh conce<strong>de</strong> que a conclusão <strong>de</strong> Hegel <strong>de</strong> que o homem<br />

moral não po<strong>de</strong> levar a moralida<strong>de</strong> a sério não tem consistência teórica e nem po<strong>de</strong> ser<br />

atribuída a Kant. Ao que acrescenta:<br />

“Hegel esquece, em primeiro lugar, que Kant estabelece a noção <strong>de</strong> uma vonta<strong>de</strong><br />

santa como aquela que é evi<strong>de</strong>ntemente melhor que a nossa: um ser possuído <strong>de</strong> semelhante<br />

vonta<strong>de</strong> atuaria tal como <strong>de</strong>via, sem sentir-se obrigado a fazê-lo experimentar nenhuma<br />

contra-inclinação. E, ainda que Kant não sugira em nenhuma parte que os seres humanos<br />

possam alcançar essa condição, tampouco elimina o ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> que os que adquirem<br />

bons hábitos, e por essa razão experimentam menos tentações, sejam inferiores àqueles cujas<br />

<strong>de</strong>cisões morais são sempre alcançadas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma luta interna”. (12)<br />

Maior amplitu<strong>de</strong> adquire a <strong>de</strong>fesa da crítica hegeliana na obra <strong>de</strong> Jean Hyppolite<br />

(1907/1968). Como se sabe, Hyppolite traduziu as principais obras <strong>de</strong> Hegel ao francês e as<br />

comentou abundantemente. Sua hipótese mais geral baseia-se no fato <strong>de</strong> que o prefácio da<br />

Fenomenologia tenha sido escrito <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> concluída a obra, com o propósito <strong>de</strong> vinculá-la à<br />

Lógica, cuja primeira parte aparece em 1812. Lembra Hyppolite que na Enciclopédia das<br />

ciências filosóficas, publicada em 1817, que é expressamente um compêndio <strong>de</strong> seu sistema, a<br />

proposta contida na Fenomenologia é resumida e esquematizada ao extremo.<br />

Supõe que presumivelmente, ao lidar com a História da Filosofia, a Hegel terá<br />

ocorrido a idéia <strong>de</strong> reduzi-la a um esquema lógico. E, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tê-lo executado na<br />

(11) Ensaio sobre o sentido da neutralida<strong>de</strong> axiológica nas ciências sociológicas e econômicas (1917) in Essais sur<br />

la Theorie <strong>de</strong> la science. Paris, Plon, 1965, p. 425-426.<br />

(12) Trad. cit., p. 57.<br />

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