Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
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Desta alegria obtida da infelicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outrem, a mais branda é o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong><br />
vingança, que consiste, com a aparência do melhor direito, e mesmo da obrigação (por amor<br />
do direito), em se propor por fim, mesmo sem vantagem pessoal, a infelicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outrem.<br />
Toda ação que lesa o direito <strong>de</strong> um homem merece um castigo, pelo qual o crime<br />
é vingado na pessoa do culpado (e o castigo, assim, não repara somente o prejuízo causado).<br />
Mas o castigo não é um ato da autorida<strong>de</strong> privada do ofendido, mas o <strong>de</strong> um tribunal distinto<br />
<strong>de</strong>le, que outorga efetivida<strong>de</strong> às leis <strong>de</strong> um po<strong>de</strong>r superior a todos aqueles que lhe são<br />
submetidos e, se nós consi<strong>de</strong>ramos (como isto é necessário na ética) os homens em um estado<br />
jurídico, <strong>de</strong>terminado somente por simples leis da razão (e não segundo leis civis), ninguém<br />
tem o direito <strong>de</strong> infligir castigos e <strong>de</strong> vingar a ofensa suportada pelos homens, a não ser<br />
aquele que é o supremo legislador moral e apenas este (eu quero dizer Deus) po<strong>de</strong> dizer: "A<br />
vingança cabe a mim, eu vingarei." É, pois, um <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong> não somente não replicar,<br />
simplesmente por vingança, à inimiza<strong>de</strong> dos outros pelo ódio, assim como também não pedir<br />
ao juiz do mundo para nos vingar, e isto, em parte, porque o homem cobriu-se<br />
suficientemente <strong>de</strong> erros para ter ele mesmo gran<strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perdão e, em parte<br />
também, mas particularmente, porque nenhuma pena, qualquer que seja seu objeto, não <strong>de</strong>ve<br />
jamais ser ditada pelo ódio. – Eis porque o perdão é um <strong>de</strong>ver do homem; mas ele não <strong>de</strong>ve<br />
ser confundido com a paciência pusilânime para suportar as ofensas como renúncia aos meios<br />
rigorosos para prevenir a ofensa repetida <strong>de</strong> outrem; pois significaria lançar seus direitos aos<br />
pés dos outros e violar o <strong>de</strong>ver do homem para consigo mesmo.<br />
Dos <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong> para com os outros homens que<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m do respeito que lhes é <strong>de</strong>vido<br />
§ 37<br />
Chama-se modéstia a mo<strong>de</strong>ração em suas pretensões em geral, ou seja, a<br />
limitação voluntária em um homem do amor por si mesmo em função do amor por si que se<br />
atribuem os outros. A ausência <strong>de</strong>sta mo<strong>de</strong>ração, ou a falta <strong>de</strong> modéstia é, na pretensão <strong>de</strong> ser<br />
amado pelos outros, o amor-próprio, e naquela <strong>de</strong> ser respeitado por eles, a arrogância. O<br />
respeito que eu dirijo a outrem, ou que um outro po<strong>de</strong> exigir <strong>de</strong> mim, é assim o<br />
reconhecimento <strong>de</strong> uma dignida<strong>de</strong> nos outros homens, quer dizer, <strong>de</strong> um valor, que não tem<br />
preço nem equivalente, contra o qual o objeto da estimação po<strong>de</strong>ria ser trocado. – O <strong>de</strong>sprezo<br />
consiste em julgar uma coisa como não tendo nenhum valor.<br />
Todo homem tem o direito <strong>de</strong> exigir o respeito <strong>de</strong> seus semelhantes e,<br />
reciprocamente, é obrigado ao respeito para com cada um <strong>de</strong>ntre eles.<br />
A humanida<strong>de</strong> em si mesma é uma dignida<strong>de</strong>; com efeito, o homem não po<strong>de</strong><br />
jamais ser utilizado simplesmente como meio por nenhum homem (nem por outro, nem<br />
sequer por ele mesmo), porém, sempre, simultaneamente também, como um fim, e é nisso<br />
precisamente que consiste sua dignida<strong>de</strong> (a personalida<strong>de</strong>), graças à qual ele se eleva acima<br />
dos outros seres do mundo, que não são absolutamente homens e que po<strong>de</strong>m pois ser<br />
utilizados, por conseqüência, acima <strong>de</strong> todas as coisas. Da mesma forma como não po<strong>de</strong><br />
alienar-se <strong>de</strong> si mesmo por nenhum preço (o que contradiria o <strong>de</strong>ver da estima <strong>de</strong> si), também<br />
não po<strong>de</strong> agir contrariamente à necessária estima <strong>de</strong> si que outros dirigem a si mesmos<br />
enquanto homens, ou seja, é obrigado a reconhecer praticamente a dignida<strong>de</strong> da humanida<strong>de</strong><br />
em todo outro homem; e, por conseguinte, sobre ele repousa um <strong>de</strong>ver que se relaciona ao<br />
respeito que <strong>de</strong>ve ser testemunhado a todo outro homem.<br />
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