Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
a sobrenatural em respeitante a esta vida e pertencente à outra vida; a natural, em<br />
especulativa e prática.<br />
A felicida<strong>de</strong> sobrenatural, que se alcança na outra vida, consiste na<br />
contemplação intuitiva da natureza divina, como opina São Tomás, no livro 3, Contra os<br />
Gentios, cap. 25 e 26 e Quodlibet 8, art. 19, e os seus sequazes em vários lugares e outros,<br />
contra Escoto, in 4, d. 49, q. 4 e 5, contra Henrique Gandavense na Suma, art. 49, q. 6, contra<br />
Gil, Quodlibet 3, q. 19 e contra outros muitos que afirmam que a dita felicida<strong>de</strong> se situa no ato<br />
<strong>de</strong> amar a Deus claramente visto. Igualmente contra São Boaventura, in q. d. 49, Ip. dist. q. 5,<br />
contra Alberto Magno, dist. 48, art. 4, contra Alense, 3 p. q. 23, memb. 1 e 4, p. q. 92, m. 2,<br />
art. 4 e contra outros que a colocam em ambos os atos simultaneamente, do intelecto e da<br />
vonta<strong>de</strong>, isto é, na contemplação intuitiva da divina natureza e no amor ou fruição da mesma.<br />
A sentença <strong>de</strong> São Tomás, que os seus <strong>de</strong>fensores confirmam com muitos<br />
argumentos, po<strong>de</strong>-se mostrar brevemente <strong>de</strong>ste modo: A felicida<strong>de</strong> formal não é outra cousa<br />
que a aquisição e posse do fim último. Ora, só a clara visão <strong>de</strong> Deus exige isso. Logo, só ela é<br />
felicida<strong>de</strong>.<br />
A maior todos reconhecem e colige-se daquelas palavras da primeira aos<br />
Coríntios, 9: Correi <strong>de</strong> modo que compreendais, e da primeira a Timóteo, 6: Apren<strong>de</strong> a vida<br />
eterna.<br />
Prova-se a menor, porque a vonta<strong>de</strong> não é potência que apreen<strong>de</strong> mas que apetece<br />
e o seu ato não é apreensão mas inclinação com que se é atraído para a cousa amada,<br />
conforme aquilo <strong>de</strong> Santo Agostinho no livro 13 das Confissões, cap. 9: O meu amor é o meu<br />
peso. O intelecto, porém, é potência apreensiva e pelo seu particular m0do <strong>de</strong> operar, atrai a si<br />
o objeto e possui o presente e unido a si. Logo, etc.<br />
A suma felicida<strong>de</strong> consiste na mais perfeita <strong>de</strong> todas as operações. Ora, a<br />
contemplação intuitiva da divina essência é <strong>de</strong>ssa natureza. Logo, a suma felicida<strong>de</strong> consiste<br />
nela.<br />
Prova-se a menor, primeiro, porque a potência que a produz, a saber, o intelecto, é<br />
a mais nobre <strong>de</strong> todas, como ensina Aristóteles, no livro 10 da Moral, cap. 7 e 8. O mesmo se<br />
prova pelo fato <strong>de</strong> o objeto do intelecto ser mais simples e abstrato do que o objeto da<br />
vonta<strong>de</strong>, visto que o intelecto vai até à cousa com um ato perfeito, abstraindo da existência; e<br />
a vonta<strong>de</strong> nada apetece com ato perfeito, a não ser com or<strong>de</strong>m à existência. Ninguém, com<br />
efeito, <strong>de</strong>seja ou ama o dinheiro, por exemplo, senão para o possuir.<br />
Quanto à felicida<strong>de</strong> sobrenatural <strong>de</strong>sta vida, como esta felicida<strong>de</strong> é uma<br />
tendência para aquela felicida<strong>de</strong> suprema <strong>de</strong> que há pouco falamos, também é preciso<br />
confiná-la sobretudo na ação a carida<strong>de</strong> sobrenatural, porque tal tendência faz-se<br />
principalmente por meio <strong>de</strong> atos meritórios que a carida<strong>de</strong> em parte produz, em parte or<strong>de</strong>na.<br />
Por isso, também Cristo Senhor, Mestre da ciência celeste , no sermão das bemaventuranças<br />
constituiu a felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta vida na prática (in actionibus) das virtu<strong>de</strong>s. Nem<br />
obsta o fato <strong>de</strong> a vonta<strong>de</strong>, em que assenta a carida<strong>de</strong>, ser menos perfeita segundo o grau e a<br />
or<strong>de</strong>m da natureza, do que o intelecto. Basta que ela seja mais perfeita, aten<strong>de</strong>ndo à razão e ao<br />
<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> ten<strong>de</strong>r, por meio <strong>de</strong> ações meritórias para a pátria celeste e visão <strong>de</strong> Deus, como para<br />
o último termo da criatura intelectual."<br />
84