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Tratado de Ética - Instituto de Humanidades

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obrigar. – A amiza<strong>de</strong> é, contudo, alguma coisa <strong>de</strong> tão terna, na doçura da sensação <strong>de</strong> uma<br />

possessão recíproca que se aproxima da fusão em uma pessoa, que se se a <strong>de</strong>ixa repousar<br />

sobre sentimentos e se não se submete esta comunicação recíproca e este abandono a<br />

princípios ou a regras rígidas que protegem da familiarida<strong>de</strong> e que limitam o amor recíproco<br />

pelas exigências do respeito, ela estará a todo instante ameaçada <strong>de</strong> interrupção, como<br />

acontece habitualmente entre as pessoas incultas, ainda que isto não conduza sempre à<br />

ruptura (o povo peleja e o povo se reconcilia). Essas pessoas não po<strong>de</strong>m prescindir uma da<br />

outra e elas não po<strong>de</strong>m tampouco enten<strong>de</strong>r-se, porque têm necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> querelas, até<br />

mesmo para experimentar a doçura da concórdia e da reconciliação. Em todos os casos o<br />

amor, na amiza<strong>de</strong>, não po<strong>de</strong> ser uma afeição, porque esta é cega na sua escolha e se dissipa<br />

com o tempo.<br />

§ 47<br />

A amiza<strong>de</strong> moral (ao contrário da amiza<strong>de</strong> estética) é a inteira confiança que duas<br />

pessoas têm uma pela outra na comunicação recíproca <strong>de</strong> seus julgamentos secretos e <strong>de</strong> suas<br />

impressões, na medida em que possa se conciliar com o respeito que se dirigem<br />

reciprocamente.<br />

O homem é um ser <strong>de</strong>stinado à socieda<strong>de</strong> (embora ele seja também insociável) e<br />

cultivando a vida <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> experimenta po<strong>de</strong>rosamente a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se abrir para os<br />

outros (mesmo sem nada esperar disso); mas, por outro lado, reservado e prevenido pelo<br />

medo do mau uso que o outro po<strong>de</strong>ria fazer <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> seus pensamentos, ele se vê<br />

obrigado a ocultar em si mesmo uma boa parte <strong>de</strong> seus julgamentos (particularmente aqueles<br />

que concebe sobre os outros homens). Conversaria <strong>de</strong> bom grado com alguém a respeito do<br />

que pensa sobre os homens com os quais ele está em relação, sobre o governo, a religião etc.,<br />

mas não <strong>de</strong>ve ousá-lo porque o outro, que guarda para si mesmo pru<strong>de</strong>ntemente seu<br />

julgamento, po<strong>de</strong>ria usar <strong>de</strong> suas palavras em seu <strong>de</strong>trimento. Ele revelaria mesmo também<br />

aos outros seus <strong>de</strong>feitos e seus erros; mas <strong>de</strong>ve temer que o outro esconda os seus e que,<br />

assim, perca o seu respeito.<br />

Se encontra, pois, um homem que tem boas intenções e espírito, <strong>de</strong> tal modo que<br />

possa, sem ter que se preocupar com esse perigo, abrir-lhe seu coração com uma plena<br />

confiança, e que, além disso, concor<strong>de</strong> com ele na sua maneira <strong>de</strong> julgar as coisas, então po<strong>de</strong><br />

dar livre curso aos seus pensamentos; ele não está mais inteiramente só com seus<br />

pensamentos como em uma prisão, mas goza <strong>de</strong> uma liberda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> que se priva entre as<br />

massas, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve se fechar em si mesmo. Todo homem tem seus segredos e não <strong>de</strong>ve confiálos<br />

cegamente a outrem, em parte <strong>de</strong>vido à maneira <strong>de</strong> pensar <strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> nobreza da<br />

maioria, que fará <strong>de</strong>les um uso que lhe será nocivo, e em parte <strong>de</strong>vido à falta <strong>de</strong> inteligência<br />

<strong>de</strong> muitos na apreciação e na distinção daquilo que po<strong>de</strong> ou não ser repetido, ou à indiscrição.<br />

Ora, é extremamente raro encontrar todas essas qualida<strong>de</strong>s reunidas em um indivíduo;<br />

sobretudo quando uma estreita amiza<strong>de</strong> exige que este amigo inteligente e <strong>de</strong> confiança<br />

consi<strong>de</strong>re-se como obrigado a conservar oculto a um outro amigo, tido por igualmente seguro,<br />

o segredo que lhe foi confiado, salvo permissão expressa do primeiro que lhe confiou.<br />

Entretanto, esta amiza<strong>de</strong> (puramente moral) não é um I<strong>de</strong>al, mas (o cisne negro!)<br />

existe realmente, vez por outra, em sua perfeição. Mas esta outra forrna <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong><br />

(pragmática) que consiste em se incumbir, por amor, é verda<strong>de</strong>, dos objetivos dos outros<br />

homens, não po<strong>de</strong> ter a pureza nem a perfeição <strong>de</strong>sejada, que é necessária para uma máxima<br />

justamente <strong>de</strong>terminante, e é um I<strong>de</strong>al <strong>de</strong> um voto, que no conceito da razão não conhece<br />

nenhum limite, mas que na experiência <strong>de</strong>ve ser sempre muito limitado.<br />

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