Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
Tratado de Ética - Instituto de Humanidades
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Sendo fenômenos <strong>de</strong> caráter último, os valores não po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>finidos. Mas<br />
correspon<strong>de</strong>m a qualida<strong>de</strong>s que todos conhecemos: agradável, bom, mau, valente, trágico, etc.<br />
Formam, na visão <strong>de</strong> Scheler, uma esfera <strong>de</strong> objetos com conexões e relações especiais.<br />
Acham-se or<strong>de</strong>nados segundo uma hierarquia a priori, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte dos bens em que<br />
aparecem. Não são abstrações das coisas nem suas proprieda<strong>de</strong>s. São dados intuitivamente.<br />
Na apreensão <strong>de</strong> um objeto, o que se encontra primariamente ao nosso alcance é o<br />
seu valor; só subsidiariamente nos são dadas sua essência e proprieda<strong>de</strong>s.<br />
Além <strong>de</strong> distinguir-se da coisa, o valor tampouco se confun<strong>de</strong> com os bens. Cada<br />
bem correspon<strong>de</strong> a uma constelação <strong>de</strong> valores, fundada num valor central. Nos bens, os<br />
valores se realizam, razão pela qual são objetivos e reais. Mas, prossegue Scheler, os valores<br />
como tais são objetos i<strong>de</strong>ais. Graças a isso, conclui-se que nenhuma teoria dos valores po<strong>de</strong><br />
pressupor bens ou coisas, mas também que é possível encontrar uma série material <strong>de</strong> valores<br />
e uma or<strong>de</strong>m completamente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e a priori frente aos bens.<br />
Para tanto bastaria, a seu ver, dissociar o apriorismo da "mitologia" <strong>de</strong> que estaria<br />
associado à or<strong>de</strong>nação que o entendimento seria obrigado a instituir nas coisas. O a priori,<br />
prossegue, não repousa em qualquer apriorismo, constituindo uma pura construção explicativa<br />
dos constituintes apriorísticos pertencentes aos objetos da experiência, construção que não se<br />
po<strong>de</strong> fazer se se supõe inicialmente que tudo quanto nos é dado seria simplesmente "um caos<br />
sem or<strong>de</strong>m". Este preconceito é o erro fundamental, comum ao sensualismo (e, nesta<br />
perspectiva, Hume o <strong>de</strong>senvolveu com muita penetração) e a Kant (que se contentou em<br />
tomá-lo <strong>de</strong> empréstimo, cegamente, aos ingleses)". (p. 88)<br />
O próprio Scheler resume <strong>de</strong>ste modo sua argumentação: “Para existir, segundo<br />
Hume a natureza teria necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um entendimento do tipo kantiano; e, segundo Hobbes,<br />
o homem teria necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma razão prática do tipo kantiano, por mais que se queira<br />
aproximar sua natureza da situação <strong>de</strong> fato tal qual se apresenta à experiência natural. Mas, se<br />
se começa por rejeitar a pressuposição fundamentalmente errônea <strong>de</strong> uma natureza à moda <strong>de</strong><br />
Hume ou <strong>de</strong> um homem segundo Hobbes, po<strong>de</strong>-se dispensar essa hipótese; e, por si mesmo,<br />
<strong>de</strong>saparece a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conceber o a priori como a "lei funcional" daquelas ativida<strong>de</strong>s<br />
or<strong>de</strong>nadoras. O a priori nada mais é que a estrutura objetal real, imanente às gran<strong>de</strong>s esferas<br />
da experiência, estrutura à qual correspon<strong>de</strong>m atos e relações funcionais <strong>de</strong>terminadas entre<br />
estes atos, sem que, <strong>de</strong> forma alguma, estas relações funcionais sejam “introduzidas” ou<br />
“agregadas” à mencionada estrutura por aqueles atos.”<br />
Por consi<strong>de</strong>rar os valores como pertencentes à esfera dos objetos i<strong>de</strong>ais, Scheler<br />
vê-se na contingência <strong>de</strong> prosseguir na análise para distinguir aqueles cujo suporte seriam<br />
objetos naturais daqueles que repousam na pessoa. De todos os modos, esta análise permitelhe<br />
também suscitar a hipótese <strong>de</strong> que a existência <strong>de</strong> "valores superiores" e valores<br />
inferiores", essencial ao seu propósito <strong>de</strong> fixar uma hierarquia. Esclareça-se que essa<br />
hierarquização encontra-se na or<strong>de</strong>m das preferências, admitindo que possa haver "ilusão <strong>de</strong><br />
preferência". Para eliminar, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, qualquer pressuposto <strong>de</strong> arbitrarieda<strong>de</strong> nessa or<strong>de</strong>m,<br />
procura fixar algumas regras oriundas do que <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> "sabedoria comum" <strong>de</strong> que avança<br />
os seguintes exemplos: l. Preferir os bens duráveis aos passageiros e mutáveis; 2. Os valores<br />
são tanto mais elevados quanto sejam menos divisíveis; 3. Um valor "funda" algum outro<br />
quando este último não po<strong>de</strong> ser dado sem o primeiro. 4. Para situá-los num <strong>de</strong>terminado<br />
nível, invoca a profundida<strong>de</strong> da satisfação que acompanha sua percepção afetiva; e, 5. Sendo<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da realida<strong>de</strong> e da correlação real entre os bens que realiza, o “grau <strong>de</strong><br />
152