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Na Terra do Nunca, no lugar de ninguém: dinâmica familiar ...

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O <strong>de</strong>sejo da parentalida<strong>de</strong> a<strong>do</strong>ptiva, e perante a impossibilida<strong>de</strong> biológica <strong>de</strong> terem umfilho, não era inicialmente partilha<strong>do</strong> por ambos os pais, e foi resultante <strong>de</strong> circunstâncias muitoparticulares, não se constituin<strong>do</strong> como um projecto <strong>familiar</strong> <strong>de</strong> mútuo envolvimento emocional,pelo que as próprias motivações para a a<strong>do</strong>pção <strong>de</strong>vem ser alvo <strong>de</strong> uma leitura parcimoniosa, jáque parecem cumprir propósitos <strong>de</strong> compensação emocional <strong>do</strong> casal (“sempre fomos felizes,fomos buscar o João para completar a <strong>no</strong>ssa felicida<strong>de</strong>”). Tratan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> uma a<strong>do</strong>pção legal, esegun<strong>do</strong> <strong>no</strong>s parece <strong>de</strong> uma a<strong>do</strong>pção psicológica, já que configura a projecção sobre a criança,não sen<strong>do</strong> biologicamente sua filha, <strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s psicológicos que originaram e organizaram o<strong>de</strong>sejo <strong>do</strong> filho, não <strong>no</strong>s parece, ainda assim, que se trate <strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong>ira filiação simbólica aqual <strong>de</strong>veria assentar em momentos partilha<strong>do</strong>s <strong>de</strong> bem-estar, um sentimento <strong>de</strong> prazertransmiti<strong>do</strong> pelos pais. Ora, as <strong>de</strong>scrições <strong>do</strong>s pais <strong>de</strong> João não <strong>no</strong>s parecem revelar umaexperiencia parental <strong>de</strong> gratificação, facto que po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>ver-se às expectativas que, apesar <strong>de</strong>negarem conscientemente ter estabeleci<strong>do</strong>, não viram cumpridas nesta criança que os <strong>de</strong>saponta,em virtu<strong>de</strong> da severida<strong>de</strong> <strong>do</strong> funcionamento psicopatológico – <strong>do</strong> qual dizem não ter si<strong>do</strong>avisa<strong>do</strong>s -, sen<strong>do</strong> o balanço entre os cuida<strong>do</strong>s empregues e o investimento percebi<strong>do</strong> e asgratificações daí resultantes senti<strong>do</strong> como <strong>de</strong>sequilibra<strong>do</strong> (“se fosse outro casal não tinha fica<strong>do</strong>com ele por causa <strong>do</strong> comportamento”). Efectivamente, ainda que indiquem também algoafectuosamente que se trata <strong>de</strong> uma criança bonita, meiga e extremamente carente, os paisreferem em diversos momentos que João é um meni<strong>no</strong> agressivo, impulsivo, irrequieto,provoca<strong>do</strong>r, mentiroso, com alterações <strong>de</strong> humor, ciumento, e inseguro. Indicam, igualmente,que a criança tem importantes dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> socialização e <strong>de</strong> concentração.Em termos da dinâmica das relações intra<strong>familiar</strong>es salienta-se, na entrevista, a diferençana tomada <strong>de</strong> posições em relação à percepção <strong>do</strong>s comportamentos da criança e às estratégias <strong>de</strong>intervenção e educação parental. De facto, se a mãe afirma sentir maior agressivida<strong>de</strong> por parteda criança, o seu discurso, por outro la<strong>do</strong>, <strong>de</strong><strong>no</strong>ta alguma <strong>de</strong>sculpabilização <strong>do</strong> filho, quer porfactores atribuí<strong>do</strong>s às violentas experiências anteriores, quer por factores exter<strong>no</strong>s, comoprovocações <strong>de</strong> colegas, a incompreensão <strong>de</strong> alguns professores. O pai, por sua vez, ainda queclaramente investi<strong>do</strong> nesta criança, revela-se me<strong>no</strong>s tolerante e mais agressivo em relação a João,assumin<strong>do</strong> que as estratégias a que frequentemente recorre para lidar com a criança passam pelaviolência física (“<strong>do</strong>mesticar um animal”). Em qualquer <strong>do</strong>s casos, em ambos é evi<strong>de</strong>nte adificulda<strong>de</strong> em efectuar uma leitura <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s emocionais da criança e a falta <strong>de</strong> contingênciaentre as suas necessida<strong>de</strong>s e as respostas parentais, bem como uma falta <strong>de</strong> implicação <strong>no</strong>sacontecimentos e <strong>no</strong> esta<strong>do</strong> actual da criança. Relativamente às mudanças que a chegada <strong>de</strong> Joãotrouxe ao casal os pais admitem que a a<strong>do</strong>pção veio uni-los ainda mais. Destacam importantes210

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