Na Terra do Nunca, no lugar de ninguém: dinâmica familiar ...
Na Terra do Nunca, no lugar de ninguém: dinâmica familiar ...
Na Terra do Nunca, no lugar de ninguém: dinâmica familiar ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Ψ: “E começaram a ter queixas <strong>do</strong> comportamento também…”Mãe: “Do comportamento, porque como não lhe apetecia ouvir aquilo, fazer isto ou aquilo,«mas p’ra quê que eu tenho que fazer isto?», arranjava brinca<strong>de</strong>iras. Ele fazia palhaçadas para osoutros se rirem, ele andava à volta das mesas, não conseguia estar cinco minutos senta<strong>do</strong>, eandava <strong>de</strong>baixo das mesas, e porque andava a correr, <strong>de</strong>pois ela não o <strong>de</strong>ixava ir ao recreioporque ele se atrasava a fazer as fichas, e ele começou-se a aperceber que <strong>de</strong> facto havia ali umadiferença. E ele via que os outros meni<strong>no</strong>s já liam e ele não, é que o Tomás esquece-se muito dasletras, apren<strong>de</strong> agora uma letra e daqui a boca<strong>do</strong> já não se lembra. Ele também tinha aquela coisa<strong>do</strong> efeito <strong>de</strong> espelho <strong>no</strong> inicio, que fazem as coisas <strong>do</strong> avesso, como se costuma dizer, agora jánão é tanto, às vezes ainda faz certas coisas mas agora já não é tanto, foi muita coisa…estaprofessora da primeira classe voltou a insistir, escreveu um relatório para o hospital, entãopronto, tem esta<strong>do</strong> a ser segui<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> essa altura. Este a<strong>no</strong>, ‘tá mais ou me<strong>no</strong>s, pronto, mas éassim, como o a<strong>no</strong> passa<strong>do</strong> aquilo passou-lhe tu<strong>do</strong> ao la<strong>do</strong>, este a<strong>no</strong> é que ele ‘tá mesmo acomeçar uma primeira classe, porque o a<strong>no</strong> passa<strong>do</strong> aquilo passou-lhe mesmo tu<strong>do</strong> ao la<strong>do</strong>. Aúnica coisa que eu <strong>no</strong>to assim mais é, pronto, ele as letras havia qualquer coisa que ele ainda selembrava, as contas para ele nunca foi problema, é o oposto <strong>do</strong>s irmãos, ele a matemática a<strong>do</strong>raaquilo, e foi o escrever. Se lhe <strong>de</strong>rem duas fichas, uma <strong>de</strong> português e outra <strong>de</strong> matemática, elediz logo: «esta fica para amanhã, esta eu faço agora». Ele <strong>de</strong>testa letras, aquilo é um bicho <strong>de</strong> setecabeças.”Ψ: “Como é que ele costuma fazer os trabalhos, sozinho, com os pais?”Mãe: “Normalmente faz sozinho, eu tenho que lhe ler o que está nas fichas…”Pai: “Ele espera por ti para fazer os trabalhos.”Ψ: “O que é o que pai pensa acerca <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> isto que a mãe tem esta<strong>do</strong> a dizer sobre o Tomás, asdificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>le…”Pai: “É um rótulo, os professores puseram-lhe um rótulo «<strong>de</strong>ixa estar, tu és um miú<strong>do</strong>problemático…». Porque é assim: se o obrigarem a fazer as coisas o Tomás faz. Demora maistempo mas faz. Tem que se insistir muito. A história <strong>do</strong>s trabalhos <strong>de</strong> casa: comigo é «Tomás, vaifazer os trabalhos <strong>de</strong> casa», vai enrolan<strong>do</strong>, vai enrolan<strong>do</strong>, mas vai fazen<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> chega a mãenão faz porquê? Porque quan<strong>do</strong> chega a mãe, tu lês, explicas tu<strong>do</strong>…”Mãe: “Porque senão ele não percebe…”Pai: “Não, porque «isto é o A, isto é o B, isto é o C…», e pronto, já ‘tá!”Mãe: “Não é bem assim, mas pronto…”Pai: “Desculpa?! É 100% assim, não falha nada, <strong>de</strong>pois vai e conversa um bocadinho com oirmão, daí a bocadinho, «oh mãe, e isto é o quê?», «então filho, isto é assim, assim…».”Mãe: “Ele não consegue ler… eu tenho que lhe ler as coisas e às vezes aju<strong>do</strong>-o nas pinturas…”Pai: “Comigo não. «Não tiveste na escola?! Então tens que saber, vá.». Fica ali, a olhar pr’aquilo,à espera que a mãe venha, não faz mais nada. Não faz porque não quer, porque sabe que ela lhe262