Na Terra do Nunca, no lugar de ninguém: dinâmica familiar ...
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Efectivamente, se consi<strong>de</strong>rarmos primeiramente a existência <strong>de</strong> antece<strong>de</strong>ntes <strong>familiar</strong>espsiquiátricos como um factor predisponente ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> patologia limite, verificou-seem to<strong>do</strong>s os casos analisa<strong>do</strong>s a presença <strong>de</strong> acompanhamentos psicológicos/psiquiátricosparentais, o que por si só não significan<strong>do</strong> linearmente a presença <strong>de</strong> psicopatologia remete para aexistência egossintónica <strong>de</strong> sofrimento mental, ainda que o que <strong>no</strong>s preocupe e <strong>no</strong>s faça maisseriamente pensar em psicopatologia parental são muitos <strong>do</strong>s comportamentos a que a criançaassiste e que <strong>de</strong>monstram o precário equilíbrio da saú<strong>de</strong> mental <strong>familiar</strong>, já que os pais <strong>de</strong>veriamser os principais agentes da saú<strong>de</strong> mental <strong>do</strong>s filhos (Strecht, 2003). Estes resulta<strong>do</strong>s parecem ir<strong>no</strong> mesmo senti<strong>do</strong> das investigações <strong>de</strong> Trull (2000a e 2000b) e <strong>de</strong> Ban<strong>de</strong>low (2005), as quaisindicam que a existência <strong>de</strong> antece<strong>de</strong>ntes psicopatológicos parentais é um <strong>do</strong>s mais robustosfactores preditivos <strong>no</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da O.B.P., <strong>no</strong>meadamente a existência <strong>de</strong> patologias <strong>de</strong>personalida<strong>de</strong> <strong>no</strong>s progenitores (cerca <strong>de</strong> 60% <strong>do</strong>s casos, segun<strong>do</strong> Palacio-Espasa, 2004). Palacio-Espasa e Dufour (1994) encontraram nas mães <strong>de</strong> pacientes limites 60% <strong>de</strong> <strong>de</strong>pressões pós-partoe 10% <strong>de</strong> psicoses puerperais. Em to<strong>do</strong>s os casos, para além da patologia parental, verifica-se apresença <strong>de</strong> antece<strong>de</strong>ntes psicopatológicos na família extensiva.Atendamos, por outro la<strong>do</strong>, à ocorrência <strong>de</strong> acontecimentos traumáticos, <strong>no</strong> âmbito <strong>do</strong>squais se encontram não só os comportamentos negligentes e abusivos, física e psicologicamenteque efectivamente se verificam, mas também as vivências <strong>de</strong> perdas e separações precoces. Aindaque a severida<strong>de</strong> das práticas parentais em cada um <strong>do</strong>s casos possa evi<strong>de</strong>nciar a ocorrência <strong>de</strong>comportamentos que se configuram como agressivos e negligentes para o bem-estar da criança,num <strong>do</strong>s casos este factor tem um particular significa<strong>do</strong> e uma dimensão in<strong>de</strong>scritivelmente maisnegativa (caso João), particularmente pela ocorrência precoce e severa <strong>de</strong> maus-tratoscontinua<strong>do</strong>s. Efectivamente, analisan<strong>do</strong> crianças com e sem O.B.P., as investigações <strong>de</strong> Gudzeret al (1996) e posteriormente <strong>de</strong> Paris (2000) encontraram valores eleva<strong>do</strong>s <strong>de</strong> trauma cumulativona criança bor<strong>de</strong>rline, sugerin<strong>do</strong> que a vivência <strong>de</strong> múltiplos acontecimentos traumáticos é maispreditiva <strong>de</strong> patologia bor<strong>de</strong>rline <strong>do</strong> que a ocorrência <strong>de</strong> um único acontecimento. Por outrola<strong>do</strong>, crianças, a<strong>do</strong>lescentes e adultos cuja experiência <strong>de</strong> vitimização tenha si<strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong>trauma prolonga<strong>do</strong> manifestam uma sintomatologia mais complexa e <strong>de</strong> impacto mais severo emtermos longitudinais na sua personalida<strong>de</strong>, <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e na sua capacida<strong>de</strong> para serelacionar com outros (Herman, 1989), especialmente em indivíduos cuja capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mentalizar se encontra a priori fragilizada, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a existência <strong>do</strong> trauma causar um verda<strong>de</strong>irocolapso na vulnerável estrutura psíquica (Fonagy, 2003), o que parece correspon<strong>de</strong>r ao caso <strong>de</strong>João.46