A PREGAÇÃO NA IDADE MÍDIA - Luiz Carlos Ramos
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nesta perspectiva, o discurso persuasivo se despoja definitivamente daquela<br />
aura de fraudulência que o adornava até a idade de ouro da retórica<br />
clássica (pense-se na oposição canônica entre Sócrates “bom” e sofistas<br />
“maus”) para converter-se em técnica da interação discursiva<br />
“razoável”, sujeita à dúvida, à revisão, controlada por toda uma série<br />
de condicionamentos extralógicos. 379<br />
No entendimento de Mieczyslaw Maneli, a nova retórica de Perelman se conforma, de<br />
fato, como uma Nova Teoria de Argumentação. Parte da constatação de que não há verdade<br />
absoluta em ideologias sociais e políticas. Em sintonia com a mentalidade democrática, a<br />
retórica se apresenta como método consistente para buscar novos caminhos, novas formas<br />
de agir e pensar em relação aos desafios da realidade presente. Perelman, não somente teria<br />
revivido as idéias de Aristóteles, como as teria excedido amplamente. Sua metodologia e<br />
filosofia estão direcionadas contra a crença em verdades absolutas e em ideologias dogmáti-<br />
cas, quer sejam de esquerda, quer de direita, bem como contra qualquer tendência autoritá-<br />
ria. Opõe-se, ainda, ao relativismo moderno nas teorias da política, dos valores, da lei e da<br />
moral. Descartou, também, os vários tipos de positivismo ou pragmatismo que sustentam<br />
um cientificismo arbitrário, afirmando haver uma diferença substancial entre o “racional” e<br />
o “razoável” — “razoável” não significa “irracional”. Para Perelman, baseado na “dialética<br />
da vida”, é possível, ao contrário do que pensava Descartes, que duas idéias diferentes sobre<br />
uma mesma situação social não implique, necessariamente, em que uma esteja errada. Ao<br />
contrário dos positivistas e pragmáticos, Perelman se apóia “numa extensa noção de plura-<br />
lismo e diálogo”. O diálogo, assim, não se limita à simples troca de idéias, mas promove um<br />
ilimitado processo de argumentação que possibilita estabelecer a melhor solução possível<br />
numa determinada situação e num determinado momento — a isso Perelman chama de re-<br />
curso retórico ou argumentativo. 380<br />
Como seria de se esperar, essa nova retórica enfrenta grande resistência, pois uma ter-<br />
ceira via entre a lógica formal e a ausência de lógica era inconcebível, até meados dos anos<br />
70. Somente no último par de décadas do séc. XX é que começa a haver uma abertura para a<br />
“retórica dos textos que se fundam no diálogo, e não na desconfiança” 381 . Entretanto, na<br />
379 ECO, 2000, p. 234-235.<br />
380 Cf. MANELI, 2004, p. 1-8.<br />
381 REBOUL, 2004, p. 89-90.