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A PREGAÇÃO NA IDADE MÍDIA - Luiz Carlos Ramos

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dormecedor que dificulta a atitude crítica do receptor. 498 Este nem sequer se dá conta de que<br />

está sendo convencido de algo.<br />

Considerando essa competência comunicativa, Ferrés se refere, assim, ao caráter sedu-<br />

tor, mítico, catártico e ritual do relato. Primeiramente, o espectador é seduzido pelo relato<br />

porque de alguma forma ele se vê implicado emocionalmente na história. Ainda que sejam<br />

utilizados meios de comunicação de massa, “a experiência que se produz é pessoal, úni-<br />

ca” 499 na mente de cada “espectador”. O relato só pode seduzir se a história relatada for, de<br />

certa forma, a história de quem a ouve ou assiste. Em outras palavras, o próprio espectador<br />

tem que entrar em cena com seus desejos, tem que gostar da história — pois, “as que mais<br />

nos influenciam são as de que mais gostamos” 500 . E gosta-se do que nos dá prazer, do que<br />

satisfaz as necessidades, principalmente as mais íntimas.<br />

Todo espetáculo, e o relato que se dá em seu contexto, é também uma experiência mí-<br />

tica, porque “o espectador vive o que vê como expressão simbólica de suas próprias neces-<br />

sidades e desejos”, e “o mito é uma história que tem a força do símbolo básico” em conexão<br />

com a “experiência humana mais profunda” 501 . Pode-se comparar essa concepção com a<br />

idéia de Aristóteles a respeito da supremacia da poesia sobre a História (entendida com ci-<br />

ência) 502 : enquanto a História se refere ao particular, temporal e espacialmente localizado, a<br />

poesia retrata do universal, porque, mesmo que enfoque o cotidiano, o ordinário, o faz de<br />

maneira a transcendê-lo. Assim, uma pedra no meio do caminho, por exemplo, deixa de ser<br />

mera referência episódica, para tornar-se expressão simbólica de todo e qualquer obstáculo<br />

que qualquer indivíduo, já nascido ou por nascer, venha a encontrar no curso de sua existên-<br />

cia. O relato, ou o contar histórias, tem essa mesma capacidade poética de dizer as verdades<br />

universais, conquanto não o faça, necessariamente, de maneira verídica. Isso porque as nar-<br />

rações têm múltiplos níveis semânticos e se conectam com o inconsciente mediante associa-<br />

ções primárias e arquetípicas.<br />

498<br />

Cf. FERRÉS, 1998, p. 197.<br />

499<br />

Id., ibid., p. 197.<br />

500<br />

Id., ibid., p. 197.<br />

501<br />

Id., ibid., p. 94-96.<br />

502<br />

Sobre isso, ver verbete poesia, em ABBAG<strong>NA</strong>NO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes,<br />

2000.<br />

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