A PREGAÇÃO NA IDADE MÍDIA - Luiz Carlos Ramos
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Em terceiro lugar, o relato (como o espetáculo) tem um caráter catártico purgativo.<br />
Esse conceito remonta às considerações de Aristóteles sobre os efeitos da tragédia. Para<br />
Joan Ferrés, essa catarse “pode ser entendida como uma espécie de purgação, uma purifica-<br />
ção psíquica graças à evacuação de sentimentos negativos, de emoções perturbadoras” 503 .<br />
Isso se obtém mediante a “experiência vicária” de certas emoções que são vividas no relato,<br />
ou no espetáculo, pelas suas personagens. O espectador se realiza identificando-se ou proje-<br />
tando suas fantasias sobre as personagens. Há um mecanismo de transferência (de identifi-<br />
cação ou projeção) que opera em sintonia com o espectador fazendo com que este assuma o<br />
ponto de vista de uma personagem, passando a considerá-la “reflexo de sua própria situação<br />
ou de seus sonhos e esperanças” 504 .<br />
Por último, o relato tem um caráter ritual que possibilita o reencantamento do mundo.<br />
“Os rituais jogam com a repetição” e por esse processo repetitivo, conjugam-se a fantasia e<br />
a realidade, o “além e o aqui, o estranho e o conhecido, o estrangeiro e o familiar” 505 . O<br />
relato tem a capacidade de resolver contradições por meio do jogo dialético entre a tensão e<br />
o equilíbrio que lhe é peculiar; tem a capacidade de transcender as contradições lógico-<br />
racionais. O relato se dá como um ritual no qual o espectador acredita embora saiba que não<br />
é real. Deliberadamente, este entra no mundo do faz de conta, do “como se”. Para Ferrés, o<br />
espectador é capaz de se deixar enganar porque necessita ser enganado. “O que potencia o<br />
engano é o plus da emotividade” — dizendo de outro modo, “a emoção facilita o engano”. E<br />
mais, “quando o espectador está predisposto, bastam as aparências para criar a sensação de<br />
realidade”. 506 O ritual, a um só tempo faz parte do cotidiano e difere dele, e por isso permite<br />
um lugar para o jogo do faz de conta. Para Silverstone, “contar histórias está sempre no sub-<br />
juntivo” e a narrativa, como ritual, “cria e ocupa o território do ‘como se’: provocando an-<br />
seios, possibilidade, desejo; levantando questões, procurando respostas” 507 . Por um instante,<br />
é possível suspender a descrença e entrar no território do faz-de-conta, e entregar-se à “bus-<br />
503 FERRÉS, 1998, p. 98-99.<br />
504 Id., ibid., p. 96.<br />
505 Id., ibid., p. 98-103.<br />
506 Id., ibid.,, p. 98-103.<br />
507 SILVERSTONE, 2002, p 82.<br />
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