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A PREGAÇÃO NA IDADE MÍDIA - Luiz Carlos Ramos

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A principal conseqüência disso é a degradação do ser para o ter e, ainda, do ter para o<br />

parecer (tese 17). Daí o sucesso das falsificações — um prenúncio da “pirataria” generali-<br />

zada que estava para se instalar — que implica, inclusive, em maquiar a própria realidade<br />

para que ela fique mais verossímil, isto é, mais parecida com o que ela deve representar.<br />

Não é suficiente, por exemplo, que alguém seja rico e tenha dinheiro, o mais importante é<br />

que ele pareça ser rico e pareça ter muito dinheiro. E, por inferência, no campo religioso,<br />

não é preciso que alguém seja religioso e tenha fé, mas que pareça ser religioso e pareça ter<br />

muita fé.<br />

O espetáculo privilegia, portanto, o sentido da visão, favorecendo a ilusão, mas isto o<br />

torna contrário ao diálogo (tese 18), que poderia favorecer um conhecimento mais verdadei-<br />

ro. Mas a verdade não interessa, pois “no mundo realmente invertido, a verdade é um mo-<br />

mento do que é falso” e “a ignorância é produzida para ser explorada” 813 . Ao privilegiar o<br />

sentido da visão, optou-se por um atrofiamento do espírito científico — ou optou-se pela<br />

“ciência da justificação mentirosa” cujo princípio é “mais vale uma falsa esperança do que<br />

esperança alguma” 814 . A ignorância é, assim, igualmente explorada, como sempre foi pelo<br />

poder estabelecido 815 , a ponto de que quando se supõe já não ser necessário pensar, na ver-<br />

dade já não se sabe pensar. Pois “a imbecilidade acha que tudo está claro quando a televisão<br />

mostra uma imagem bonita, comentada com uma mentira atrevida” 816 . Na conclusão do seu<br />

livro, Debord aponta para a auto-emancipação como sendo o ato de emancipar-se da verda-<br />

de invertida (tese 221). Somente assim o diálogo poderia se armar para tornar vitoriosas<br />

suas próprias condições.<br />

Uma homilética espetacular, portanto, dificilmente seria dialógica e razoável, como<br />

pretende a nova retórica 817 , mas imagética e fútil, pois, para Debord, o espetáculo é a re-<br />

construção material da “ilusão religiosa” (tese 20) — ou seria de uma religião da ilusão? Se<br />

até então a religião apontava para a felicidade projetada num “celeste porvir” 818 , agora o<br />

espetáculo ligou as expectativas religiosas a uma base terrestre. Desse modo, a vida terrena<br />

813<br />

DEBORD, 1997, p. 206.<br />

814<br />

DEBORD, 1997, p. 198-199.<br />

815<br />

Cf. id., ibid., p. 199.<br />

816<br />

Id., ibid., p. 214.<br />

817<br />

Cf. MANELI, 2004, p. 49<br />

818<br />

Sobre esse tipo de religião, ver MENDONÇA, Antonio Gouveia de. O celeste porvir: a inserção do protestantismo<br />

no Brasil. São Paulo: Aste, 1995.<br />

238

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