A PREGAÇÃO NA IDADE MÍDIA - Luiz Carlos Ramos
A PREGAÇÃO NA IDADE MÍDIA - Luiz Carlos Ramos
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grafia; atuação cerimonial e encenação teatral; o expoente clerical e o estrelato; a propaga-<br />
ção da fé e a propaganda de produtos; o êxtase religioso e o fascínio das imagens; as vestes<br />
litúrgicas e os figurinos; a música sacra e a trilha sonora; a psicologia da alma e a engenha-<br />
ria das emoções 708 ; liturgias e roteiros; dias santos e programações especiais, etc. 709<br />
Muito de tudo o que faz e apresenta, a indústria da comunicação aprendeu da prática<br />
religiosa. A religião, desde muito cedo, rendeu-se diante do “triunfo dos sentidos sobre a<br />
mente, da emoção sobre a razão, do caos sobre a ordem, do id sobre o superego, do abando-<br />
no dionisíaco sobre a harmonia apolínea” 710 . Como notou Neal Gabler, ao depor o racional<br />
e entronizar o sensacional, ao desconsiderar a minoria intelectual e entronizar a maioria sem<br />
requinte, a religião (ou, pelo menos, certo segmento religioso), desde os tempos de Platão,<br />
lançava as bases para a moderna indústria do entretenimento. Assim, nos últimos anos, as<br />
telas dos aparelhos de TV se revestiram da aura religiosa com a proliferação dos programas<br />
religiosos que vão desde a transmissão de cultos e missas inteiros, passando pela catequese<br />
via satélite, até a realização de milagres e exorcismos virtuais.<br />
A TV ascendeu à categoria divina ao assumir para si atributos que antes eram reserva-<br />
dos a Deus: onipresença, onisciência e onipotência. A onipresença da TV é evidente, pois,<br />
como diriam os rapers, suas antenas se destacam sobre os barracos na favela e as mansões<br />
em Alphaville 711 . Sua onisciência é igualmente notória por tratar de todo tipo de assunto, e<br />
por ser a fonte da informação necessária e praticamente exclusiva da maioria absoluta da<br />
população contemporânea. Sua onipotência, por sua vez, se constata pela força irresistível<br />
com que age sobre os telespectadores, a ponto de transformar a todos (parece não haver ex-<br />
ceção) em consumidores ávidos e contumazes.<br />
Se, por um lado, a programação televisiva encontrou forte inspiração na prática homi-<br />
lética religiosa, atualmente, se dá o caminho inverso: a experiência da pregação nas igrejas<br />
708<br />
Sobre o conceito de “engenharia de emoções”, ver CALAZANS, Flávio Mário de Alcântara. Propaganda<br />
subliminar multimídia. São Paulo: Summus, 1992. 116 p., il. (Novas buscas em comunicação, 42).<br />
709<br />
Para uma abordagem que analisa a identificação entre a entretenimento e a religião, ver GABLER, 2000, p.<br />
28-37.<br />
710<br />
Id., ibid., p. 28.<br />
711<br />
Esse trocadilho se encontra no título de uma canção do CD Rasgando o Verbo, do grupo Spainy & Trutty da<br />
gravadora Atração.<br />
210