A PREGAÇÃO NA IDADE MÍDIA - Luiz Carlos Ramos
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II.3.2 Possibilidades humanas e democráticas<br />
Pretende-se, aqui, estender a noção do propósito da homilética para além dos postula-<br />
dos clássicos da retórica antiga, ampliando a sua dimensão ética. Para isso, se recorrerá à<br />
abordagem da chamada Nova Retórica. Esta se constitui em “um método que procura dimi-<br />
nuir o risco real de erros”, não somente decorrente dos discursos, mas das decisões tomadas<br />
pelo ser humano contemporâneo, nas mais variadas instâncias deliberativas. Não se trata de<br />
uma oposição à retórica antiga, mas de seu resgate, à luz das contribuições do pensamento<br />
humanista recente. Dessa forma, entende-se que a retórica possibilita “a livre argumenta-<br />
ção, que expõe ambigüidade, e o conhecimento da complexidade ‘natural’ e ‘ inata’ de toda<br />
‘categoria’, ‘lei’ e ‘curso da ação’” 520 . E por essa razão se constitui em ferramenta indispen-<br />
sável para o mundo moderno.<br />
Para Kirst, é muito difícil que a prédica obtenha algum êxito no que diz respeito a<br />
promover mudanças na vida dos fiéis, considerando que o ouvinte tem a tendência de filtrar<br />
os discursos que ouve. Isso é feito de tal forma, que daquilo que se ouve, se retém o que<br />
serve para reforçar convicções e sentimentos já assumidos anteriormente. Ainda que desafi-<br />
os de alteração de conduta ou de perspectiva ideológica sejam considerados, pela força per-<br />
suasiva do orador, a tendência é que, ao retornar à convivência dos seus pares, e dialogar<br />
com os formadores de opinião tradicionais do seu entorno, muito provavelmente, esse en-<br />
saio de mudança tenderá a desvanecer-se. Assim, se pode ter como mais ou menos certo<br />
que, pelo menos, a prédica serve para ajudar no equilíbrio existencial-emocional do indiví-<br />
duo, na medida em, ao reforçar sua convicções, o sermão funciona como uma confirmação e<br />
prova de que o fiel está na direção certa 521 . Mesmo assim, ainda segundo Kirst, a prédica<br />
também pode ser veículo de informação que abra novos horizontes e lance fundamentos<br />
para “transformações e complementações de convicções, valores e padrões de atitude”, de<br />
maneira a contribuir para o processo de “reorganização de determinado subsistema cogniti-<br />
vo” 522 . Também as investigações sociológicas levadas a efeito por Durkheim, dão conta de<br />
520 MANELI, 2004, p. 54.<br />
521 Sobre essa discussão, ver KIRST, 1996, p. 20-30.<br />
522 Id., ibid., p. 28.<br />
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