A PREGAÇÃO NA IDADE MÍDIA - Luiz Carlos Ramos
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ca dos prazeres da cognição e da recognição” 508 . É justamente por esse processo ritual que é<br />
possível o reencantamento das palavras, das idéias e do mundo.<br />
Se a retórica é o gênero e a homilética é a espécie, para Luis Maldonado, o relato se<br />
constitui como um subgênero literário, dentro da homilética: “a homilia possui caráter não<br />
tanto argumentativo quanto narrativo, porque deve ser memória atualizadora da história de<br />
Deus”. E o relato teria como meta, não a assertividade da argumentação, mas “a identifica-<br />
ção com os sujeitos que agem, bem como a participação de seus destinos, vidas, sofrimen-<br />
tos, esperanças e angústias [...] fazer sentir com, alegrar-se com, esperar com” 509 .<br />
Maldonado dá as seguintes sugestões quanto à maneira como se deve contar uma his-<br />
tória (ou fazer um relato): primeiro, o bom narrador vive dentro de sua história; segundo, o<br />
narrador deve ser fiel ao seu relato; terceiro, há de contar sua história de maneira plástica,<br />
gráfica, de modo que entre pelos sentidos; quarto, a história deve ter sido assimilada de tal<br />
modo que não seja preciso lê-la; quinto, o narrador se situará dentro da perspectiva de uma<br />
das pessoas que aparecem na história; sexto, objetos, nomes, lugares que necessitam de ex-<br />
plicação devem sempre ser introduzidos por uma das personagens; sétimo, um bom relato já<br />
traz em si uma interpelação, dispensando, portanto acréscimos moralizantes; oitavo, não se<br />
pode pressupor que uma comunidade não seja narrativa; nono, os relatos introduzidos na<br />
pregação não devem tornar-se autônomos em relação a ela, mas integrá-la essencialmente;<br />
décimo, as histórias devem ser contadas de modo que as pessoas simples as entendam; dé-<br />
cima primeira, quem relata, deve usar o tempo necessário para narrar, sem ultrapassá-lo ou<br />
mutilar a história; décimo segundo, a gramática da narração deverá empregar mais verbos<br />
do que substantivos, poucos adjetivos, e utilizará o estilo direto. 510<br />
Ressurge, aqui, o problema ético do pregador ou da pregadora. É digno de um homile-<br />
ta “disfarçar” sua ideologia com as mesmas embalagens dos “contos de fadas”? Novamente<br />
deve-se recorrer a Aristóteles: a persuasão legítima é a que tem fundamento lógico na con-<br />
sistência das provas, estabelece vínculo afetivo pela interação emotiva com o interlocutor, e<br />
é reforçada pelo caráter confiável do orador. A tarefa homilética implica no condicionamen-<br />
508 SILVERSTONE, 2002, p 93.<br />
509 Cf. MALDO<strong>NA</strong>DO, Luis. A homilia: pregação, liturgia, comunidade.Trad. Isabel F. L. Ferreira. São Paulo:<br />
Paulus, 1997. p. 177. ISBN 85-349-0663-7.<br />
510 Cf. Id., ibid., p. 179-180. 177.<br />
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