A PREGAÇÃO NA IDADE MÍDIA - Luiz Carlos Ramos
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persuasivos, e funcionam como ditos populares, anexins, brocardos jurídicos, evocados para<br />
corroborar essa ou aquela proposição homilética.<br />
Não é somente a história do texto bíblico que é descartada, mas também a própria his-<br />
tória dos estudos exegéticos dos referidos textos. Dificilmente acontece de um pregador da<br />
mídia aludir às diferentes contribuições dos estudiosos da Bíblica Hebraica ou do Novo Tes-<br />
tamento. Quando tal alusão acontece, é no sentido apologético, desautorizando tais estudio-<br />
sos, e depreciando seu esforço intelectual, considerando-o impróprio e desnecessário para<br />
quem tem a orientação direta do Espírito Santo.<br />
Nesse sentido, a exegese, que deveria ser a ciência da extração do sentido do texto a<br />
partir do próprio texto, converte-se em eisegese 633 . Isto se dá pela interpretação dos textos a<br />
partir de critérios que lhe são extrínsecos e pela atribuição a ele de idéias do próprio leitor,<br />
ou de quem quer que seja que o esteja “inspirando”.<br />
Esse método eisegético é substancialmente o mesmo do empregado pelo fundamenta-<br />
lismo, ou pelo Protestantismo da Reta Doutrina, conforme analisado por Rubem Alves, no<br />
livro Protestantismo e repressão. 634 Suas principais características seriam: “o fato de privi-<br />
legiar a concordância com uma série de formulações doutrinárias, tidas como expressões<br />
da verdade, e que devem ser afirmadas sem nenhuma sombra de dúvida, como condição<br />
para participação a comunidade eclesial” 635 .<br />
Daí que tal método de abordagem da história (bíblica, da tradição, etc.) implica, em<br />
primeiro lugar, na tentativa de adequação do passado às formulações doutrinárias assumidas<br />
pela pessoa que o “interpreta”. Em segundo lugar, implica na aceitação de um conceito de<br />
verdade absoluta que confere ao “intérprete”, inclusive, o direito de mascarar ou reformular<br />
o passado para que este se coadune com essa verdade. E, por último, implica em que, por<br />
ser matéria de fé, não cabem questionamentos epistemológicos no processo de aproximação<br />
do texto bíblico. O procedimento exegético, como propõe, por exemplo, o método histórico-<br />
633 Para uma discussão sobre a distinção entre exegese e eisegese, ver CROATTO, 1994, p. 105-129. Croatto<br />
define eisegese como sendo “a ‘entrada’ em um texto a partir do horizonte de compreensão do leitor”, e, na<br />
visão do autor, a eisegese não se opõe à exegese, senão que é a explicitação de um aspecto desta. De acordo<br />
com o dicionário Houais, Eisegese é a interpretação de um texto atribuindo-lhe idéias do próprio leitor. Do<br />
lat.cien. eisegesis, do gr. eiségésis,eos “ato de propor, aconselhar, introduzir”, de eiségeîsthai “introduzir,<br />
propor, aconselhar”. Cf. HOUAIS, 2001.<br />
634 ALVES, Rubem Azevedo. Protestantismo e repressão. São Paulo: Ática, 1979. 290 p.<br />
635 Id., ibid., p. 35.<br />
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