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Viagens pelo Amazonas e Rio Negro[-WwW.LivrosGratis.net-](1)

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<strong>Viagens</strong> <strong>pelo</strong> <strong>Amazonas</strong> e <strong>Rio</strong> <strong>Negro</strong> 183<br />

Além de tais pássaros, vêm-se ali inúmeros mergulhões e flecheiros.<br />

Os porcos marinhos, 61 aqui e acolá, estão constantemente<br />

soltando os seus bufos, ou, então, os jacarés, por vezes, nadam displicentemente<br />

ao longo do rio.<br />

Na margem setentrional do <strong>Amazonas</strong>, até umas duzentas<br />

milhas de distância, há fileiras de montanhas baixas, as quais, bem<br />

como a região intermédia, são em parte desnudas e em parte coberta de<br />

relvas e capões de mato.<br />

61 O boto (Sotalia brasiliensis) é um dos mais curiosos e característicos peixes do <strong>Amazonas</strong>.<br />

Eis como o descreve José Veríssimo, em sua “Revista Amazônica” (tomo<br />

I, págs. 208-209): “O boto (Delphinus palliduu?), o uiara do índio, ocupa largo espaço<br />

na sua imaginação, e o nosso interior está cheio de contos maravilhosos sobre<br />

este animal. O boto, como a sereia antiga, canta, e, qual o dela, o seu canto tem o<br />

dom de seduzir. Ai da donzela que o ouve por noite de luar! Os índios criam que<br />

o boto se aproveitava das ocasiões, em que as mulheres se banhavam, para seduzi-las<br />

e gozá-las, e, ainda mais, que, revestindo formas de um mancebo gentil, vinha<br />

às vezes, por noite alta, partilhar a rede das virgens das florestas, não raro atribuindo<br />

a este D. João Fluvial a gravidez de muitas. Esta crença, o último fato parece<br />

comprová-lo, é filha da imaginação da mulher, que, por ventura, procurou assim<br />

encobrir uma falta, que, ao menos em algumas tribos, atraía sérios castigos.<br />

Entretanto, não se deve, nem sem leviandade se pode acusar as gerações, que se<br />

sucederam àquela, com a qual ela nasceu, nem talvez a esta mesmo, porque é um<br />

fato observado que na infância do mundo as crenças, ainda as que nos parecem<br />

mais grosseiras, são perfeitamente sinceras. Seja como for, esta ainda existe. Não<br />

há muito tempo que ouvi dizer de um boto que, sob formas humanas, fora alta<br />

noite render finezas a uma rapariga, e os que narravam o fato o faziam com a maior<br />

boa-fé. Eis outras versões que obtive sobre o boto ou uiara:<br />

– Ele zomba da gente, trazendo objetos à flor da água; Paulico assegurou-me ter<br />

visto um trazer nos dentes uma faca. Fazem também naufragar canoa em que há<br />

moças, para se apossarem destas. Segundo o mesmo Paulico, reveste igualmente<br />

as formas de mulher para seduzir os homens, que arrasta consigo para a água. Os<br />

olhos deste animal são considerados preciosos amuletos para abrandar corações<br />

de amantes; seu dentes, preservativos excelentes contra as dores destes órgãos e<br />

contra os perigos da primeira dentição. Um indivíduo desta mesma família, o tucuxi,<br />

é, segundo acreditam, bastante amigo do homem, a quem socorre e livra,<br />

quando este está, por desgraça, a ser vítima do boto, com o qual trava luta, até lhe<br />

tirar a presa, que leva aos empurrões do focinho, até a margem. Desta crença no<br />

boto resulta uma enfermidade nervosa, que acomete homens e mulheres, sob a<br />

dominação de uiara. Em um dos meus passeios ao sertão, ofereceu-se-me ocasião<br />

de observá-la em um rapaz. O acesso nada tem de notável ou de particular, vem<br />

com todos os sintomas de um ataque de nervos, e é originado, segundo eles, de<br />

ter o indivíduo acometido sido vítima da uiara, se é homem, e, por isso, diziam<br />

ante o sujeito de que falo: “É a uiara, é a uiara”, conquanto algumas pessoas menos<br />

crédulas me observassem que era antes a aguardente a causa mais próxima daquilo.”

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