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O museu como lugar de<br />
visões fantasmáticas:<br />
As relações novas e incoerentes<br />
entre os restos e materiais residuais<br />
Francislei Lima da Silva<br />
E tão bem ficaram, ao por do Sol, os pratos e a prataria, as chinesices e japonesices, os<br />
xailes e as sedas, guardados onde melhor pudessem dormir entre aparas de madeira<br />
ou partir para a longuíssima viagem, que o Amo, ainda de roupão e gorro quando<br />
lhe cabia vestir roupas de melhor ver – mas hoje já não se esperavam visitas para<br />
despedidas formais –, convidou o servente a partilhar com ele um jarro de vinho, ao ver<br />
que todas as caixas, cofres, arcas e caixotes estavam fechados. Depois – embaladas<br />
as coisas, envoltos os móveis nas suas capas –, andando devagar, entregou-se à<br />
contemplação dos quadros que ficavam pendurados nas paredes e ressaltos.<br />
Alejo Carpentier, Concerto Barroco, p. 09.<br />
1. Tal declaração dada por Ai Weiwei foi<br />
transcrita a partir de uma das fichas sobre<br />
artistas produzidas para o material educativo<br />
da Fundação Bienal, para a exposição de<br />
Dropping a Han Dynasty Urn (1995, três<br />
gelatinas impressas sobre prata, 148 × 121 cm)<br />
durante a 29ª Bienal de Arte de São Paulo, de<br />
25 de setembro a 12 de dezembro de 2010.<br />
2. O Termo da Vila de Campanha foi criado no<br />
ano de 1798 e abrangia o território que hoje<br />
conhecemos como sul de Minas.<br />
Quando o chinês Ai Weiwei apresentou, em 1995, o seu<br />
trabalho iconoclasta: “Deixando cair um vaso da dinastia Han”<br />
(Dropping a Han Dynasty Urn), os debates sobre identidade,<br />
memória e patrimônio mais uma vez foram retomados mediante essa<br />
provocação. O artista multimídia aparece no tríptico fotográfico de<br />
si mesmo segurando um vaso (urna), deixando-o cair, sem expressar<br />
qualquer traço de desconforto ou estranhamento diante do objeto<br />
milenar se transformando em cacos, num ato deliberado de destruição.<br />
Sua atitude de desprezo e indiferença é justificada por ele como um<br />
evento que “não causou mais danos à História milenar e ao patrimônio<br />
chinês do que fizeram acontecimentos políticos e econômicos ao longo<br />
dos séculos” 1 .<br />
Mediante todas as disputas e embates pela memória travados no<br />
presente, escancara-se diante dos nossos olhos, dessa maneira, cada<br />
vez mais a problemática dos restos – dos usos e desusos dos vestígios do<br />
passado. Ai Weiwei apropria-se de materiais residuais, como de portas e<br />
janelas de casas milenares das dinastias Ming e Qing destruídas, para a<br />
100 • Revista MUSAS • 2016 • Nº 7