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pulo para outra coisa. Acho importante manter esse outro leitor que<br />
não está interessado na questão indígena também e eu aproveito para<br />
passar para ele informação. Porque ele não tem informação nenhuma e<br />
de uma forma que seja agradável de ler, que contribua de alguma forma<br />
para ele se situar no mundo. Eu tenho feito muitas crônicas de bancas<br />
“Não é para<br />
desmerecer a<br />
língua, a gente<br />
adora a língua<br />
portuguesa. É<br />
a nossa língua<br />
materna, a gente<br />
quer que ela seja<br />
exaltada. Mas,<br />
para isso, não<br />
precisa apagar as<br />
outras línguas.”<br />
13. Professor do Programa de Pós-graduação<br />
em Antropologia Social do Museu Nacional<br />
da UFRJ (PPGAS-MN), Carlos Fausto é outro<br />
importante antropólogo brasileiro que<br />
dedicou boa parte de sua obra ao trabalho<br />
com povos indígenas na Amazônia.<br />
de doutorado de que participo relatando do que trata a tese, traduzindo<br />
numa linguagem que seja compreensível pela maioria das pessoas. Olha<br />
só, eu fiz uma crônica, eu fui da banca de doutorado da Vivian Secin. Ela<br />
é ortoptista, tem um consultório na Tijuca. Eu nem sabia o que era. O<br />
ortoptista está para o oftalmologista assim como o fisioterapeuta está<br />
para o ortopedista. O que aconteceu? Ela começou a desconfiar que as<br />
pessoas que tinham problema de leitura, que embaralhavam a vista, que<br />
tinham dor de cabeça, elas eram todas do meio oral, camponeses que<br />
descendem de índio. Ela me procurou para fazer o contato com índios.<br />
Na tese dela, ela compara 59 alunos da UERJ, que se pressupõe que<br />
leem, com 99 índios. O que ela descobriu? Ela fez um montão de testes.<br />
O que ela descobriu? Ela descobriu que nós temos um músculo que você<br />
tenha uma visão binocular periférica. Por exemplo, um índio no meio da<br />
floresta ele está te olhando mas ele está vendo aquela janela e aquela<br />
porta até como um recurso contra os predadores etc. Quando você entra<br />
no mundo da escrita, a tua visão binocular passa a ser central, deixa de<br />
ser periférica e aí ela descobriu que aquilo que estavam diagnosticando<br />
como uma doença, não era uma doença. Eu fiz parte da banca de<br />
doutorado dela. O Carlos Fausto 13 veio para a qualificação e contou o<br />
exemplo dele com os Parakanã. Eu começo a crônica com isso. Ele conta<br />
que na primeira semana saiu para caçar com os índios, todos eles com<br />
arco e flecha e só ele tinha arma de fogo. Aí de repente, um índio chega<br />
no ombro dele e diz assim sussurrando: “Atira!”. E ele não via. Todos<br />
eles vendo. E aí os índios ficaram com pena dele e disseram: “O cara<br />
tem problemas sérios de visão...”. Porque na verdade a visão do Carlos<br />
Fausto era para ler livros e não para ler florestas. Ela [Vivian Secin] está<br />
explicando isso. Eu fiz uma crônica, que é uma forma de divulgar um<br />
conhecimento que acho que é importante. E também a academia tem<br />
aquela linguagem que às vezes torna difícil. Aqueles conceitos... Eu<br />
192 • Revista MUSAS • 2016 • Nº 7