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Musas7

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A museografia tradicionalmente tendia para o trabalho<br />

com o discurso como produto final, não se preocupando<br />

com o seu processo, ou seja, o seu funcionamento. Esta<br />

separação o entre produto final e processo não se mostra<br />

eficaz, uma vez que produto e processo têm uma relação<br />

continuada de interlocução, sendo ambos ricos de um<br />

potencial a ser trabalhado. Nesse sentido, refletir sobre<br />

uma prática discursiva museográfica também envolve a<br />

interlocução e, consequentemente, a intersubjetividade e<br />

o contexto. No dizer de Bakhthin (apud CLIFFORD, 1998,<br />

p. 44), a linguagem, quer seja museológica, etnográfica ou<br />

literária, é atravessada por outras subjetividades e nuances<br />

contextuais específicas 22 .<br />

acumulativas de tempo, como os museus e as bibliotecas.<br />

Estes se tornaram heterotopias em que o tempo não para<br />

de se acumular e se empilhar sobre si próprio. No século<br />

XVII, porém, um museu e uma biblioteca traduziam uma<br />

expressiva escolha pessoal [seja dos reis, ou nobres que os<br />

possuíam]. Por contraste, a ideia de conseguir acumular<br />

tudo, de criar uma espécie de arquivo geral, o fechar num<br />

só lugar todos os tempos e inacessível ao desgaste que<br />

acarreta [que reflete muito da mentalidade salvacionista do<br />

século XX no Brasil], o projeto de organizar desta forma uma<br />

espécie de acumulação perpétua e indefinida de tempo num<br />

lugar imóvel, enfim, todo este conceito de museu pertence<br />

à nossa modernidade 24 .<br />

Nesse sentido, é importante destacar também que<br />

os museus não se encerram nas exposições, eles são<br />

instituições complexas e exercem práticas que existem<br />

para além de sua produção expográfica. Contudo, acreditamos<br />

que, de modo inegável, é através da exposição<br />

que a instituição museológica exerce com maior intensidade<br />

seu papel dentro do corpo social, historicamente<br />

concebido como agente do patrimônio e da memória.<br />

Para Foucault, os museus podem ser classificados<br />

como lugares heterotópicos 23 , em que prevalece<br />

uma heterotopia acumulativa de tempo.<br />

Na nossa sociedade, as heterocronias e as heterotipias são<br />

distribuídas e estruturadas de uma forma relativamente<br />

complexa. Em primeiro lugar, surgem as heterotopias<br />

Essa perspectiva cumulativa é vista nas práticas do<br />

Demu, em que impera o sentimento de salvaguarda<br />

do passado, como problematizado anteriormente,<br />

em que a região Nordeste e seus patrimônios<br />

“folclóricos” partilhavam dessa necessidade de<br />

salvação através dos processos de musealização.<br />

Assim, ao situar os locutores nos lugares sociais<br />

dos quais eles vociferam as narrativas, acreditamos<br />

tornar possível a percepção acerca dos domínios da<br />

intertextualidade na qual se constroem os discursos<br />

do museu. Essa contribuição consagra a visão de<br />

que o museu não é uma instituição autogestionada,<br />

quando falamos na exposição, ou no museu, estamos<br />

falando de uma série de estruturas que constituem<br />

aquele produto e aquela dada instituição.<br />

22. ROCHA, Luisa Maria Gomes de Mattos. Museu, Informação e Comunicação: o processo de construção do discurso museográfico e suas estratégias. Rio de<br />

Janeiro: 1999. Dissertação de Mestrado (Programa de Pós-graduação em Gestão da Ciência da Informação). Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de<br />

Janeiro, 1999, p. 94<br />

23. Para FOUCAULT, Michel (De Outros Espaços. Revista Estudos Avançados, vol. 27, n. 79, São Paulo, 2013. Trad. Ana Cristina Arantes Nasser. Disponível em: http://<br />

www.scielo.br/scielo.php?pid=S010340142013000300008&script=sci_arttext#1a. Acesso em: 15 jun. 2015), as heterotopias, em contraste às utopias, são “[...] este<br />

tipo de lugar que está fora de todos os lugares, apesar de se poder obviamente apontar a sua posição geográfica na realidade”. Esses lugares nascem da preocupação<br />

de Foucault em problematizar não só as questões que envolvem o tempo, mas, à luz dos trabalhos de Bachelard, de problematizar as construções subjetivas ligadas<br />

a uma dada espacialidade, no sentido em que “[...] as descrições fenomenológicas demonstraram-nos que não habitamos um espaço homogêneo e vazio, mas,<br />

bem pelo contrário, um espaço que está totalmente imerso em quantidades e é ao mesmo tempo fantasmático. [...] No entanto, todas essas análises, ainda que<br />

fundamentais para uma certa reflexão do nosso tempo, dizem respeito, logo à partida, ao espaço interno. Eu preferiria debruçar-me sobre o espaço externo”.<br />

24. FOUCAULT, 2013, p. 118-119.<br />

59 • Revista MUSAS • 2016 • Nº 7

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