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“Eram semterra,<br />
sem-teto e<br />
resolveram tomar<br />
uma área que existia<br />
para construir suas<br />
casas. Tomaram a<br />
área e, na primeira<br />
assembleia para<br />
dividir os lotes,<br />
foram unânimes<br />
quanto ao lugar<br />
mais nobre que<br />
era no alto de um<br />
morrinho: ‘esse lugar<br />
não está para ser<br />
loteado, esse lugar<br />
é para construir o<br />
nosso museu!”<br />
ali como algo do passado que serviu para construir o português no Brasil.<br />
E aí eu discuto isso. O Museu da Língua Portuguesa... A cada vez eu saí<br />
de lá deslumbrado pelo que vi, mas o que fascina nesse acervo virtual?<br />
As formas criativas de musealizar a língua, de aprisionar o som, como<br />
diriam os índios. Eles usaram a tecnologia de ponta, recursos interativos.<br />
Quinhentos mil visitantes. O balanço do Museu da Língua Portuguesa é<br />
mais positivo do que negativo. Mas isso não exime de fazer uma crítica.<br />
E já que o fogo destruiu, é uma chance para reelaborar esse museu. O que<br />
me incomodava? É porque eu olhei as exposições do museu, eu fui com<br />
meu amigo Guarani e, de repente, eu vi o museu com os olhos dele. Ele<br />
ficou encantado, mas ao mesmo tempo decepcionado por essa visão<br />
glotocêntrica presente no próprio nome, Museu da Língua Portuguesa. Por<br />
que não Museu das Línguas do Brasil ou Museu da Língua Portuguesa e das<br />
Demais Línguas do Brasil? O Censo do IBGE de 2010 encontrou 274 línguas<br />
indígenas mais 30 línguas de imigração. Ucraniano: o levantamento que<br />
se tem por aí é que são quase 400.000 falantes de ucraniano no Brasil. Se<br />
o Putin sabe disso, ele bombardeia. São 274 línguas indígenas. E aí tem o<br />
guarani: o guarani é falado em 100 municípios brasileiros, inclusive no Rio<br />
de Janeiro. É falado no Mercosul, no Paraguai, na Argentina, na Bolívia. Se<br />
você quiser, se você for aluno de qualquer universidade pública brasileira e<br />
quiser estudar latim, que é uma língua morta que só é usada pelo papa, por<br />
alguns advogados e juízes e vice-presidentes, você encontra o latim. E é<br />
bom que encontre o latim. É bom que as universidades ofereçam latim. Se<br />
você quer estudar o grego antigo, também você encontra. Não é mais falado<br />
por ninguém, mas é importante que as pessoas que queiram se apropriar,<br />
porque são duas línguas que marcaram a língua que nós estamos falando.<br />
Aí tem uma outra língua, que é a língua guarani, que marcou a nossa língua.<br />
O dicionário do Houaiss tem 220.000 palavras, verbetes; 45.000 são de<br />
línguas indígenas. Então as línguas indígenas marcaram o português que<br />
nós falamos. Além disso, é uma língua viva! É uma língua viva falada em<br />
100 municípios brasileiros. Nesse momento em que estamos falando, tem<br />
gente rezando nessa língua. Se você como estudante de uma universidade<br />
pública disser “eu quero estudar essa língua viva que é falada e que marcou<br />
o português”, ela não é oferecida. Fica clara uma política de apagamento.<br />
180 • Revista MUSAS • 2016 • Nº 7