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Musas7

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está organizado. Eles foram ao Ministério Público e conseguiram que um<br />

juiz, baseado no artigo 231 da Constituição “Os índios têm direito aos seus<br />

usos, costumes e tradições”. E o juiz: “Permita a pajelança”. O diretor do<br />

hospital se recusou a obedecer a ordem do juiz alegando que os “Ruídos<br />

dos tambores” da pajelança iam prejudicar os outros doentes. Não tem<br />

tambor na pajelança. O cara não sabia nem o que era a pajelança. Aí os caras<br />

voltam ao Ministério Público, dá um rolo na imprensa local, vem pro Jornal<br />

Nacional. O diretor do Hospital Universitário Getúlio Vargas, que era muito<br />

mais aberto, acolheu. Chamaram o pajé e disseram que efetivamente ia ter<br />

que cortar. O médico, com uma sensibilidade muito grande: “Então vamos<br />

fazer o seguinte. Vamos combinar as duas coisas: o seu saber com meu<br />

saber”. O médico fez uma raspagem, arrancou um pedaço da nádega e fez<br />

um enxerto e o pajé fazendo a pajelança dele. A menina está andando hoje.<br />

Aí eu lembrei do Guilherme Piso. O Guilherme Piso era o médico holandês<br />

principal do príncipe de Nassau. O cara era o maior médico. O príncipe traz<br />

ele para cá. E ele escreve uma história da medicina no Brasil. E ele diz o<br />

seguinte: “Na guerra dos portugueses com holandeses, nas situações em<br />

que gangrenava perna, braço etc., e os nossos médicos amputam. Esses<br />

‘selvagens’ eu não sei o que eles fazem, mas dá certo. Eles não amputam”.<br />

O cara, que tinha preconceito contra indígenas, mas reconhece aquele<br />

saber como um saber válido que até hoje funciona. A menina podia ter<br />

morrido? Podia ter morrido. Isso invalidaria o conhecimento do pajé? Não.<br />

Da mesma forma que o fato de ela ter vivido não diz que o conhecimento<br />

é superior. São conhecimentos diferentes baseados em experiências<br />

milenares que acho que a sociedade está de costas. Isso é uma das tarefas<br />

do museu, a de tentar recuperar essa informação, que circula oralmente.<br />

“Os jesuítas<br />

chegam e impõem<br />

a língua-geral, que<br />

era uma língua<br />

falada na costa<br />

salgada, o tupi,<br />

Tupinambá, que<br />

eles usam como<br />

língua-geral. Por<br />

quê? Porque eles<br />

tentaram outras<br />

formas. Tentaram<br />

no litoral brasileiro<br />

impor o português.<br />

Não deu.”<br />

MUSAS: E quanto ao silenciamento de nossa história indígena, da<br />

presença indígena nas cidades brasileiras. Estamos aqui em Icaraí,<br />

onde havia uma aldeia tupinambá. Não há nenhum sinal, a não ser o<br />

próprio nome Icaraí, que faça referência a essa existência.<br />

BF: Amanhã [8 de abril de 2016] nós estamos abrindo uma exposição. A<br />

exposição foi organizada por nós, pelo Museu do Índio, e pelo Museu da<br />

189 • Revista MUSAS • 2016 • Nº 7

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