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nós. Tentei, através desse quadro, explicar o processo de extermínio, de<br />
perda das línguas particulares e como o português se tornou a língua<br />
hegemônica e quando – já no século XIX. Em 1861, o poeta Gonçalves Dias<br />
vai ao Amazonas comissionado pelo imperador para recolher objetos para<br />
uma exposição etnográfica. O presidente da província, Manuel Carneiro<br />
da Cunha, contrata o Gonçalves Dias para fazer uma avaliação das<br />
escolas do Amazonas. Ele sobe de Manaus até Tabatinga pelo Solimões,<br />
desce. Depois sobe o rio Negro até Cucuí e depois desce, visitando tudo<br />
que é escolinha. Ele chega a assistir aula. Ele faz uma etnografia de<br />
sala de aula. Ele chega a assistir aula, ele folheia cadernos, ele lê livros.<br />
Entrevista professores, alunos etc. E a conclusão final do Gonçalves Dias<br />
é a seguinte, em 1861: “As escolas do Amazonas não funcionam porque a<br />
língua usada pela escola não é entendida pelos alunos. A língua usada pela<br />
escola é a língua oficial, o português, mas os alunos falam em casa, nas<br />
ruas e em todos lugares a língua-geral e, às vezes até, uma língua indígena<br />
particular”. Então ele diz: “O conteúdo não vai poder passar porque não<br />
se entende o que o professor está falando, o que está no livro”. Bom, o<br />
que qualquer pessoa de bom senso recomendaria? Diria: “Olha só, uma<br />
estratégia pelo menos para considerar a existência dessas línguas e<br />
ensinar o português com técnica de segunda língua”. O Gonçalves Dias, o<br />
“cantor dos Ximbiras”, não. Propõe ao presidente da província: “Seguinte:<br />
continua com o português. Ninguém vai entender nada, vai continuar<br />
sendo um fracasso, mas pelo menos a escola vai ser o único lugar onde<br />
na Amazônia se fala o português”. Isso em 1861. Na década de 1870,<br />
1877, quando começam as grandes migrações nordestinas – o Simonsen<br />
e o Celso Furtado calculam em 500.000 nordestinos que entraram na<br />
Amazônia, todos eles portadores de português – e foi aí que houve então<br />
a hegemonia da língua portuguesa. Manaus, em 1850, quando se cria a<br />
província do Amazonas, 48% da população não falava o português como<br />
língua materna. 48% da cidade de Manaus. Então essa hegemonia é<br />
muito tardia. Isso que a gente esperava um pouco de um Museu da Língua<br />
Portuguesa. Não é para desmerecer a língua, a gente adora a língua<br />
portuguesa. É a nossa língua materna, a gente quer que ela seja exaltada.<br />
Mas, para isso, não precisa apagar as outras línguas. Pode mostrar e dar<br />
“Eu acho que a<br />
descoberta do<br />
museu pelos índios<br />
passa também por<br />
aí. Cada vez que<br />
qualquer museu<br />
etnográfico ou<br />
não for realizar<br />
exposições<br />
relacionadas aos<br />
índios chamar<br />
os índios que<br />
deixaram de ser<br />
apenas objetos<br />
musealizáveis para<br />
serem sujeitos.”<br />
185 • Revista MUSAS • 2016 • Nº 7