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A formulação de uma memória nacional passa pela constituição dessas<br />
coleções de indumentária de um modo que aparentemente é aleatório,<br />
mas que, de outro modo, sinaliza um engajamento social da população<br />
que no século XX vai se aproximando dos museus. Não apenas os museus<br />
buscaram e buscam objetos representativos, expressivos de uma determinada<br />
ideia de nação, de identidade nacional, mas os doadores participaram<br />
(mais do que participam) dessa construção. Esta realidade traz um<br />
problema importante a ser enfrentado pelos museus que possuem coleções<br />
de indumentária: muitos acervos foram aparentemente constituídos<br />
majoritariamente por doações, sem que uma política clara de acervos balizasse<br />
a seleção. Em geral, o que era importante ser preservado era determinado<br />
pelo curador ou outro funcionário não especializado, mas sem<br />
critérios explícitos como seria adequado para o processo de patrimonialização.<br />
Essa prática, associada à escassez de profissionais especializados no<br />
corpo de funcionários dos museus, contribuiu de modo decisivo para configurar<br />
as coleções. É como se fosse preciso “salvar” o pouco que restou do<br />
que se vestiu, restringindo a indumentária, muitas vezes, à sua dimensão<br />
simbólica e isto, apesar de não ser pouco, é insuficiente para tratar esse<br />
artefato como patrimônio cultural 35 .<br />
Estabilizar a noção de indumentária passa ainda pelas escolhas de<br />
manutenção das coleções, como no modo de promover a preservação,<br />
analisar políticas de aquisição, reformulação e descarte de acervo. A indumentária<br />
exige uma determinada conduta de conservação e a não observação<br />
dessas especificidades adultera o artefato apagando ou encobrindo,<br />
muitas vezes definitivamente, vestígios de sua circulação social 36 .<br />
No Museu Paulista da Universidade de São Paulo a indumentária<br />
é encontrada como representativa das coleções que originalmente<br />
constituíram o acervo do museu e que foi dividido entre o Museu de<br />
Arqueologia e Etnologia (MAE) – coleções classificadas por essas<br />
tipologias – e o Museu Paulista, que permaneceu com coleções vinculadas<br />
à história 37 . É interessante observar que a indumentária não fugiu às<br />
funções atribuídas aos objetos na história dos museus brasileiros, mas<br />
também não se limitou a elas. Ao mesmo tempo em que há indumentária<br />
representativa da construção de uma identidade nacional, de seu passado<br />
“(...) muitos<br />
acervos foram<br />
aparentemente<br />
constituídos<br />
majoritariamente<br />
por doações,<br />
sem que uma<br />
política clara de<br />
acervos balizasse<br />
a seleção.”<br />
35. Vera Lima, aposentada em 2012, antiga<br />
chefe do departamento de acervo do MHN<br />
e curadora da coleção de têxteis do museu<br />
descreveu a coleção como “bem abrangente”,<br />
sendo constituída por bandeiras, lenços,<br />
bordados, uma variedade de trajes históricos,<br />
etnográficos e folclóricos (Lima. In: Anais<br />
do MHN, 2011, p. 268). Essas categorias<br />
precisam ser revistas conforme avança nosso<br />
conhecimento sobre a formação das coleções<br />
de indumentária nos museus brasileiros.<br />
36. O assunto foi discutido na tese de<br />
doutorado da autora: Andrade, 2008.<br />
37. Sobre isso, ver Paula (2006) e Almeida<br />
(2003).<br />
25 • Revista MUSAS • 2016 • Nº 7