18.08.2017 Views

Musas7

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

“Eu acho que, do<br />

ponto de vista<br />

conceitual e<br />

teórico, a gente<br />

está chamando<br />

anta de elefante.<br />

E mutum de<br />

pavão. E o<br />

pajuaru, o caxiri,<br />

ele chamou de<br />

cerveja. Então<br />

é um desafio<br />

para nós.”<br />

organizam um almoço, eu vou pro almoço e lá estava meu sobrinho, que é<br />

médico. É um excelente médico formado pela Universidade do Amazonas.<br />

Levanto a camisa e mostro: “Daniel, olha aqui”. Ele diz: “Tio, isso é um cisto<br />

sebáceo. Eu dou um corte e dou três pontos e está resolvido”. E eu: “Eu sei.<br />

O médico lá me disse isso. Mas eu estou passando uma pomada”. E ele<br />

me perguntou qual tomada. E eu disse: “Não tem nome”. E ele: “Como o<br />

médico te receita uma pomada que não tem nome?”. “Não foi um médico<br />

não. Foram os índios!”. Ele fez um escândalo: “Tio, você morou na Europa<br />

seis anos, estudou em universidades, é doutor! Como você acredita nessa<br />

superstição?”. Aí eu também fiz minha performance, tirei meus óculos e<br />

disse o seguinte: “Eu estou morrendo de pena de ti. Olha só. Fizeram uma<br />

lavagem cerebral na tua cabeça porque o conhecimento que tu adquiriste<br />

na universidade é maravilhoso. A medicina ocidental é maravilhosa. Ela<br />

conseguiu grandes avanços. Está certo que às vezes perde a luta para<br />

um mosquitinho. Nós temos que reverenciar esse conhecimento”. Mas<br />

ele é apenas uma forma de diagnosticar e tratar uma doença. Não é a<br />

única forma. Aí eu disse para ele: “Olha, pelo mesmo sintoma, em uma<br />

sociedade como a Índia ou a China ou em uma sociedade indígena, eles<br />

têm outras alternativas que são igualmente válidas”. Então tem que fazer<br />

conversar os conhecimentos particulares para se chegar ao universal. Você<br />

não pode partir do conhecimento particular e impor como universal. Eu<br />

discuti isso também. Eu fiquei muito impressionado com o que aconteceu<br />

há alguns anos atrás. Isso aconteceu em Manaus, no Amazonas. Uma índia<br />

foi mordida por cobra. Aí ela baixa para São Gabriel [da Cachoeira, cidade<br />

do interior amazonense]. Os médicos lá do hospital militar olham: “Não,<br />

tem que mandar para Manaus porque aqui a gente não...”. E o tio dela era<br />

pajé. Veio o avião do SUS e levam a índia e o tio pajé para Manaus. Vão para<br />

o Hospital João Lúcio, hospital do município. Chegam lá, os médicos olham<br />

e dizem: “Nós vamos ter que cortar a perna dela, amputar”. O pajé disse<br />

não: “Eu estou trazendo para o hospital para curar. Se você corta, você não<br />

está curando. Ao contrário, você está mutilando”. Os caras riram na cara<br />

dele: “Olha, se não cortar a perna, ela vai morrer”. O cara [o pajé] disse:<br />

“Não, não morre. Deixa que eu faço a pajelança”. Aí o diretor do hospital:<br />

“Aqui no meu hospital, superstição não!”. Só que o movimento indígena<br />

188 • Revista MUSAS • 2016 • Nº 7

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!