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Anais do IV Seminário de Pesquisa do Programa de Pós ...

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338<br />

<strong>de</strong> proximida<strong>de</strong> com o real) a temática da ‗morte‘, em cada contexto e tempo histórico, se pensa<br />

em seu mais profun<strong>do</strong> espírito (aquele <strong>do</strong> alemão Geist), pois os homens e mulheres vivem, ainda<br />

mais na contemporaneida<strong>de</strong>, sua mais confortável e extrema comodida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vivência. Na Ida<strong>de</strong><br />

Média, para se ter uma anacrônica, mas talvez figurativa comparação, as pessoas vivenciavam a<br />

morte constantemente, fosse pelas batalhas, invasões, ou fosse mesmo pelas <strong>do</strong>enças que eram<br />

<strong>de</strong> certa maneira incontroláveis. No ápice da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> tardia, ou da pós-Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, ou o<br />

que quer que se tenha por interpretação <strong>do</strong> que se vive no século XXI, os seres humanos vivem a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se po<strong>de</strong>r curar uma <strong>do</strong>ença, prever sua aparição no corpo, e mesmo adiar a<br />

‗morte‘, com um simples exame numa clínica médica. Fica evi<strong>de</strong>nte que essa forma <strong>de</strong> ‗morte‘<br />

<strong>de</strong>stacada aqui, é apenas uma das representações <strong>de</strong>sse tema no mun<strong>do</strong> contemporâneo<br />

oci<strong>de</strong>ntal. Existem ainda outras, como cair <strong>de</strong> avião, por exemplo, ou um aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> carro<br />

(especialmente em países como o Brasil, <strong>de</strong> péssimo trânsito e imprudência), ou mesmo em um<br />

crime <strong>de</strong> latrocínio (mais uma vez o Brasil ganha referência), ou queima<strong>do</strong>, afoga<strong>do</strong>, e outras<br />

formas menos povoa<strong>do</strong>ras das mentes <strong>de</strong> algumas culturas. Em alguma parte da história talvez já<br />

se teve (entre membros <strong>de</strong> um grupo) o receio <strong>de</strong> afundar um navio e morrer afoga<strong>do</strong>, ou<br />

<strong>de</strong>vora<strong>do</strong> por tubarões. Jacques Le Goff, autor da História das Mentalida<strong>de</strong>s (Escola <strong>do</strong>s<br />

Annales), fala <strong>do</strong> generaliza<strong>do</strong> me<strong>do</strong> <strong>do</strong> diabo, <strong>do</strong>s monstros e gigantes no imaginário popular<br />

medieval na França, parte da Espanha e, sobremaneira, Inglaterra 2 . E no futuro, vai ser o me<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> cair <strong>de</strong> uma espaçonave?! O esquimó, só para provocar uma ilustração especulativa, po<strong>de</strong> ter<br />

me<strong>do</strong> <strong>de</strong> morrer <strong>de</strong>vora<strong>do</strong> por um urso polar, quem sabe? Coisa difícil <strong>de</strong> um habitante da zona<br />

rural <strong>do</strong> sertão nor<strong>de</strong>stino brasileiro pensar, por exemplo.<br />

Tem <strong>de</strong> se problematizar que o integrante <strong>de</strong> cada cultura carrega uma memória coletiva,<br />

algo próximo – e tão somente, <strong>do</strong> que propõe René Descartes <strong>de</strong> um ‗saber inato‘, porém mais<br />

plausível diante <strong>do</strong> empirismo <strong>de</strong> David Hume, quan<strong>do</strong> este diz:<br />

existe uma diferença razoável entre as percepções da mente, quan<strong>do</strong> uma<br />

pessoa sente a <strong>do</strong>r <strong>do</strong> calor excessivo ou o prazer <strong>do</strong> calor mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> (...),<br />

em sua memória recorda esta sensação ou a antecipa com sua<br />

imaginação. (...) Nosso pensamento é um reflexo fiel e copia seus objetos<br />

com veracida<strong>de</strong> quan<strong>do</strong> refletimos sobre nossas sensações passadas, no<br />

entanto, as cores que emprega são fracas e embaçadas em comparação<br />

com as que revestiam nossas percepções originais 3 .<br />

Portanto, se for um indivíduo da zona rural, não vai ter os mesmos me<strong>do</strong>s <strong>do</strong> sujeito da<br />

zona urbana; ou o cidadão brasileiro não vai ter o mesmo me<strong>do</strong> <strong>de</strong> qualquer outra coisa, ou<br />

mesmo <strong>de</strong> morrer, como um indiano ou um sueco, por exemplo. Tem culturas que até i<strong>do</strong>latram a<br />

morte, como um ritual <strong>de</strong> passagem espiritual para outro plano.<br />

2 LE GOFF, Jacques. Heróis e Maravilhas da Ida<strong>de</strong> Média. Tradução <strong>de</strong> Stephania Matousek. Petrópolis,<br />

RJ: Editora Vozes, 2009.<br />

3 HUME, David. Investigação Sobre o Entendimento Humano. Série Filosofar. Tradução <strong>de</strong> André<br />

Campos Mesquita. São Paulo: Escala Educacional, 2006, p. 19.

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