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Anais do IV Seminário de Pesquisa do Programa de Pós ...

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O próprio autor justifica:<br />

482<br />

―Eu a<strong>do</strong>ro cozinhar. Aprendi a fazê-lo na Itália (...) Lá aprendi a<br />

respeitar o momento das refeições como algo sacro, um momento <strong>de</strong><br />

encontro privilegia<strong>do</strong> entre os comensais. Des<strong>de</strong> os primeiros<br />

encontros com o roteirista Lusa Silvestre, estabelecemos que<br />

Estômago seria uma o<strong>de</strong> à gastronomia, mas não àquela refinada e<br />

culta, típica <strong>do</strong>s filmes internacionais sobre o assunto: o que nos<br />

interessava era a ―baixa-gastronomia‖, a culinária <strong>de</strong> boteco.‖ 28<br />

Ora, aí fica clara a intenção <strong>do</strong> diretor, em sua ―interpretação autojustifica<strong>do</strong>ra‖ 29 , o<br />

significa<strong>do</strong> que o autor atribui por meio da linguagem cinematográfica mas também por outros<br />

componentes cita<strong>do</strong>s acima (site, entrevista, livros <strong>de</strong> receita, etc...) que além <strong>de</strong> produzirem e<br />

reforçarem o senti<strong>do</strong>, viabilizam a obra comercialmente.<br />

A<strong>de</strong>ntran<strong>do</strong> agora no filme, passamos a perceber ainda a linguagem cinematográfica –<br />

entendida como a combinação <strong>de</strong> cenários, som, música, interpretação, movimentos <strong>de</strong> câmera e<br />

fotografia, enfim, a <strong>de</strong>sconstrução <strong>do</strong> filme que nos chega ―pronto‖. Aí nota-se que não é apenas o<br />

roteiro que <strong>de</strong>nuncia a primazia da gastronomia, conforme posto acima. O fio condutor pauta<strong>do</strong> no<br />

<strong>do</strong>m culinário e os ―pontos <strong>de</strong> virada‖ da narrativa (<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>a<strong>do</strong>res <strong>de</strong> eventos essenciais)<br />

fixa<strong>do</strong>s no preparo e <strong>de</strong>gustação <strong>do</strong>s alimentos, enquanto base para as relações entre os<br />

personagens e a conquista <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, contam ainda com o reforço da utilização <strong>do</strong> primeiro plano<br />

nos mesmos momentos30. Em algumas tomadas em que Raimun<strong>do</strong> Nonato está cozinhan<strong>do</strong> a<br />

iluminação é mais acentuada e o enquadramento aproxima o especta<strong>do</strong>r daquele belo ―ritual‖,<br />

muitas vezes ao som <strong>de</strong> uma música envolvente, propositalmente provocativos. Uma cena<br />

emblemática vale ser comentada, <strong>de</strong> quan<strong>do</strong> Raimun<strong>do</strong> Nonato <strong>de</strong>scobre seu talento<br />

gastronômico no boteco <strong>do</strong> seu Zulmiro: nesse momento o preparo das coxinhas e pastéis é bem<br />

ilumina<strong>do</strong> e filma<strong>do</strong> em primeiro plano (na comida), aproximan<strong>do</strong> o especta<strong>do</strong>r daquele ritual,<br />

fazen<strong>do</strong>-o acompanhar o preparo da massa, <strong>do</strong> recheio, tu<strong>do</strong> no ritmo da música envolvente e<br />

suavemente cantarolada por uma voz feminina. O tempo da cena é vagaroso e a câmera-lenta<br />

aguça a atenção <strong>do</strong> público, que po<strong>de</strong> flagrar, além <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> preparo e <strong>do</strong>s ingredientes<br />

(mesmo o óleo-quente-marrom-escuro com restos <strong>de</strong> fritura), as unhas sujas <strong>do</strong> cozinheiro. A<br />

beleza <strong>de</strong>sta cena um tanto para<strong>do</strong>xal representa uma espécie <strong>de</strong> cerimonial gastronômico, no<br />

qual o ―pobre-coita<strong>do</strong>‖ se torna Cozinheiro. O envolver-se com o que a câmera mostra é uma<br />

forma <strong>de</strong> atinar os senti<strong>do</strong>s para a arte <strong>de</strong> cozinhar <strong>do</strong> protagonista, mas <strong>do</strong> cozinhar no boteco,<br />

lugar da ―baixa gastronomia‖ - tal como na cela <strong>do</strong> presídio, ―lugar da baixíssima gastronomia‖. As<br />

cenas no Restaurante Bocaccio, para o qual Nonato ascen<strong>de</strong> <strong>do</strong> boteco <strong>do</strong> seu Zulmiro não tem<br />

uma fotografia tão cuida<strong>do</strong>sa no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> aguçar nossos senti<strong>do</strong>s pela culinária italiana, por<br />

28 Retira<strong>do</strong> <strong>de</strong>: www.estomagoofilme.com.br, nov/ 2008.<br />

29 RAMOS, Alci<strong>de</strong>s Freire. Canibalismo... Op cit.<br />

30 Ismail Xavier observa que o uso <strong>do</strong> primeiro plano – enquadramento que limita o campo <strong>de</strong> visão <strong>do</strong><br />

especta<strong>do</strong>r a <strong>de</strong>talhes mais específicos – é útil para ―dar uma informação essencial para o andamento da<br />

narrativa‖. XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico; a opacida<strong>de</strong> e a transparência. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz<br />

e Terra, 1984. p. 23

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