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Nas várias hipóteses em que o tratado se aplique (afastando ou modificando<br />
a disciplina que decorreria da lei interna), o efeito do preceito convencional<br />
é o de norma especial, cuja eventual revogação devolve as situações<br />
"especializadas" a disciplina da norma geral (da lei interna). Ou seja,<br />
a revogação de tratado que, em certa hipótese, limitasse em 15% a alíquota<br />
da lei interna (que fosse, por exemplo. de 25%) faria com que aquela hipótese<br />
passasse a sujeitar-se novamente à alíquota da lei interna (de 25%),<br />
sem necessidade de modificação dessa lei.<br />
Alberto Xavier afirmou existir aí hipótese de derrogação". Não nos<br />
parece que se possa invocar esse instituto. Nem há, nas situações disciplinadas<br />
no tratado, o fenômeno da revogação da lei interna quando o preceito<br />
do tratado afasta a aplicação da norma interna, nem se opera derrogaçrto<br />
(revogação parcial) nos casos em que o tratado modifique o regime jurídico<br />
emergente da lei interna. Por isso, como assinalamos linhas acima, a eventual<br />
denúncia do tratado (afastando o preceito especial ou de exceção nele<br />
estabelecido) implica voltarem aqueles casos a submeter-se a aplicação da<br />
lei interna anterior ao tratado (com as modificações que ela eventualmente<br />
tenha sofrido mercê de outras leis internas). Não se dá aí repristinação: o<br />
que ocorre é que perde eficácia a norma especial que afastava da disciplina<br />
da norma geral determinada hipótese, fazendo com que esta volte a submeter-se<br />
a norma geral. Em suma, em vez de revogar a lei interna, o tratado<br />
cria (nas situações por ele previstas e em relação aos países com os quais<br />
foi firmado) exceções à aplicação da lei interna. cuja revogação (das exceções)<br />
restabelece a lei intemajO.<br />
1 No plano em que estamos examinando a matéria, não é adequada a<br />
dicção do art. 98, nem quando diz que o tratado "revoga" a lei interna, nem<br />
quando assevera que a lei interna superveniente deva "observar" o tratado.<br />
O intérprete é que, ao examinar a lei interna superveniente, deve obsenlar<br />
o tratado, naquilo em que este possa afastar, limitar ou condicionar a aplicação<br />
da lei interna, com a qual deve ser harmonizado. Mesmo quando o<br />
art. 98 menciona a "modificação" da lei interna pelo tratado, não se deve<br />
entender a hipótese como de revogação parcial. Trata-se. como dissemos,<br />
de norma especial (que convive com a geral), tanto que, nesse sentido, ela<br />
tem a virtude de afetar também a norma de lei interna posteriormente <strong>ed</strong>itada,<br />
o que, evidentemente, não poderia ser chamado de revogação.<br />
39. Direito, cit.. p. 103.<br />
40. Diz Heleno Torres que admitir a derrogação ou ab-rogação de lei interna pelo<br />
tratado seria uni "completo nonsense" (Plurifributação, cit.. p. 301-2).<br />
O conflito entre a lei interna e o tratado resolve-se, pois, a favor da<br />
norma especial (do tratado), que excepciona a norma geral (da lei interna),<br />
tomando-se indiferente que a norma interna seja anterior ou posterior ao<br />
tratado. Este prepondera em ambos os casos (abstraída a discussão sobre se<br />
ele é ou não superior a lei interna) porque traduz preceito especial,<br />
harmonizável com a norma geralJ'. .<br />
Registre-se, por fim, que, para o efeito em causa (solução do conflito<br />
aparente entre a norma geral da lei interna e a norma especial do tratado),<br />
nenhuma necessidade haveria de expressa disposição do Código Tributário<br />
Nacional, motivo por que (para esse efeito) o art. 98 seria desnecessário.<br />
Tudo indica, porém, que esse artigo não pretendeu cuidar do assunto no<br />
plano em que o estamos examinando4?.<br />
5.2. A questão do primado dos tratados<br />
Problema, efetivamente, haverá se a norma legal interna conflitar com<br />
o preceito anteriormente estabelecido no tratado, de tal sorte que seja irnpos.síve1<br />
o convívio de ambos, vale dizer, se a lei interna previr comando<br />
diverso do fixado no tratado para aplicação exatamente (ou inclusive) nas<br />
situações nele reguladas. Observe-se que, se a norma do tratado é posterior;<br />
o conflito (aparente) se resolve sem maiores dificuldades, pela aplicação do<br />
tratado, abstraída a discussão sobre seu eventual primado.<br />
Como acima registramos, a Comissão preparadora do anteprojeto do<br />
Código teria, com o referido art. 98, pretendido consagrar esse primado, na<br />
esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal F<strong>ed</strong>eral que, a época, se firmara.<br />
A questão se insere nas discussões sobre a visáo monista e a visão<br />
dualista da ordem internacional; na perspectiva monista, os tratados, uma<br />
vez concluído o ritual formal para que adquiram vigência. incorporam-se<br />
ao <strong>direito</strong> interno e são invocáveis como fundamento de <strong>direito</strong>s e obrigações.<br />
Sob o ângulo dualista, os preceitos do tratado integrariam uma ordem<br />
41. Hugo de Brito Machado também vê as disposições cio tratado como normas<br />
especiais (Tributação no Mercosul, Pesquisas Tributárias, Nova Série, n. 3, p. 87).<br />
42. Helenilson Cunha Pontes, contudo, vê o art. 98 apenas sob o ângulo da lex<br />
speciali.~. Por isso, assevera que .'a prevalência dos Tratados sobre as leis internas que<br />
Ihes suc<strong>ed</strong>em dá-se não porque estes situam-se em patamar hierarquico-normativo superior.<br />
mas porque constituem 1e.r specialis diante das leis internas" (A contribuição social<br />
sobre o lucro e os tratados para evitar a dupla tributação sobre a renda, in Grandes questões<br />
atuais do <strong>direito</strong> tribr&rio, p. 45).