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Ocorre que, de um lado, o legislador, nas matérias que se contêm no<br />

campo da irretroatividade, só legisla para o futuro. De outro lado, dar ao<br />

legislador funções interpretativas, vinculantes para o Judiciário na apreciação<br />

de fatos concretos anteriormente ocorridos, implicaria conc<strong>ed</strong>er aquele<br />

a atribuição de dizer o <strong>direito</strong> aplicável aos casos concretos, tarefa precipuamente<br />

conferida pela Constituição ao Poder Judiciário. Mais uma vez,<br />

não se escapa ao dilema: ou a lei nova dá ao preceito interpretado o mesmo<br />

seritido que o juiz infere desse preceito, ou não; no primeiro caso, a<br />

lei é inócua; no segundo, é inoperante, porque retroativa (ou porque usurpa<br />

função jurisdicional).<br />

Por isso, quer se olhe a lei interpretativa como uma substituição retroativa<br />

do preceito "obscuro" da lei velha pelo preceito "aclarado" da lei<br />

nova, quer seja ela encarada como uma determinação ao juiz ou ao aplicador<br />

da lei para que julgue ou aplique a lei velha em tal ou qual sentido, estaremos<br />

sempre diante de uma lei nova que pretende regrar o passado, sendo,<br />

pois, aplicáveis todas as restrições oponíveis as leis retroativas.<br />

Em suma, somente nos casos em que possa agir lei retroativa é possível<br />

a atuação de lei interpretativa, o que evidencia a inutilidade desta"'.<br />

5.3. A retroatividade benigna em matéria de infrações<br />

Já vimos que o aplicador da lei não pode, em regra, estender ao passado<br />

os efeitos da lei nova, ainda que fora do campo em que é constitucionalmente<br />

v<strong>ed</strong>ada a retroatividade da lei tributária. Assim, caso a lei nova tenha<br />

r<strong>ed</strong>uzido a alíquota de certo tributo, a diminuição vale para o futuro, sendo<br />

v<strong>ed</strong>ado aplicá-la ao passado, salvo expressa disposição legal nesse sentido.<br />

Já em matéria de sanção as infrações tributárias (recorde-se que sanção<br />

de ato ilícito não se confunde com tributo, nem é compreendida no<br />

conceito deste), o Código Tributário Nacional, inspirado no <strong>direito</strong> penal,<br />

manda aplicar retroativamente a lei nova, quando mais favorável ao acusa-<br />

10. A Lei Complementar n. 1 1812005 contém norma "expressamente interpretativa"<br />

do disposto no inciso I do art. 168 do Código Tributário Nacional. O art. 3" dessa lei<br />

atribui a si próprio o efeito de interpretar o referido inciso; o an. 4", por seu turno, manda<br />

observar, quanto ao art. 3", o disposto no an. 106, I, do Código. Parece óbvio que (sem<br />

examinar por ora o conteúdo da disposição, que será objeto de comentário no Capítulo<br />

XIV, quando abordamos a questão dos prazos extintivos na restituição do indébito) o<br />

Judiciário só deverá aplicar "retroativamente" essa norma "interpretativa" se entender<br />

que, antes da Lei Complementar n. 11812005, a melhor interpretação já era a que veio a<br />

ser dada por essa lei.<br />

do do que a lei vigente à época da ocorr2ncia do fato. Prevalece, pois, a lei<br />

mais branda (lex mitior).<br />

Diz o Código Tributário Nacional que a lei se aplica a ato ou fato<br />

pretérito, "tratando-se de ato não definitivamente julgado: a) quando deixe<br />

de defini-lo como infraçáo; b) quando deixe de tratá-lo como contrário a<br />

qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento<br />

e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo; c) quando<br />

lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo<br />

da sua prática" (art. 106,II).<br />

Nas alíneas a e c temos a clara aplicação da retroatividade benigna: se<br />

a lei nova não mais pune certo ato, que deixou de ser considerado infração<br />

(OU se o sanciona com penalidade mais branda), ela retroage em benefício<br />

do acusado, eximindo-o de pena (ou sujeitando-o a penalidade menos severa<br />

que tenha criado). É óbvio que, se a lei nova agravar a punição, ela não<br />

retroage.<br />

Já a alínea b do dispositivo conflita com o previsto na alínea a. Com<br />

efeito, cuida a alínea b da hipótese em que certo ato, que era contrário a<br />

uma exigência legal (de ação ou de omissão), deixou de ser tratado como<br />

tal pela lei nova. Vale dizer: o ato configurava uma infração à lei da época<br />

de sua prática, mas a lei nova deixa de considerá-lo como infraçáo. Ora,<br />

essa é exatamente a hipótese da alínea a.<br />

Até aí, a alínea b apenas reproduz, ociosamente, o preceito da alínea<br />

a. Mas o dispositivo vai além, excluindo a aplicação da lex mitior nas hipóteses<br />

de fraude e nas em que a infraçáo tenha implicado falta de pagamento<br />

de tributo (o que levaria ao exagerado rigor de só se admitir a retroatividade<br />

benigna em casos de inocente descumprimento de obrigações formais).<br />

Essa exegese, porém, tornaria letra morta o disposto na alínea a, cuja<br />

aplicação igualmente faz da alínea b letra morta.<br />

A contradição entre as duas alíneas não escapou a Fábio Fanucchi,<br />

que anotou tratar a primeira de uma retroatividade incondicional, e a segunda<br />

de uma aplicação condicional da lei nova mais benigna1'. Ao propor<br />

uma solução, refutando a de Eros Grau (para quem a alínea a seria atinente<br />

a obrigações principais e a b, a obrigações acessórias), Fábio Fanucchi aventa<br />

a aplicação do princípio in dubio pro reo (que faria a letra a prevalecer<br />

sobre a b), mas conclui pela fusão dos dois preceitos (o que, na prática,<br />

1 1. Curso, cit., p. 189.

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